O livro “O cavaleiro preso na armadura” de Robert Fisher é uma fábula para quem esta trilhando o caminho espiritual que demonstra brilhantemente como nos esquecemos de quem verdadeiramente somos, o nosso verdadeiro eu, ao vestirmos inúmeras mascaras com intuito de sermos aceitos, valorizados, de nos sentirmos melhores que os outros etc.
O cavaleiro dessa história por anos se esforçou para ser o número um de todo o reino. Ele não parava quieto, sempre estava envolvido em alguma cruzada, andando em todas as direções ao mesmo tempo, com objetivo de provar para os outros como ele era bondoso, gentil e amoroso, ao combater os inimigos, enfrentar os dragões e salvar as donzelas.
O cavaleiro era conhecido por sua armadura, que era cheia de luzes e que chamava a atenção de todos da aldeia.
Ele tinha uma esposa chamada Juliet e um filho chamado Christopher. A esposa e o filho quase nunca viam o cavaleiro, pois este sempre estava no campo de batalha ou senão admirando e contemplando sua linda armadura.
Além disso, o cavaleiro só sabia falar sobre si mesmo, em um monólogo entediante (que ele considerava incrível, pois falava de todas as suas aventuras no campo de batalha) e, por isso, nunca deixava a esposa ou o filho falarem algo:
“Com o passar do tempo, o cavaleiro tornou-se tão enamorado de sua armadura, que começou a usá-la para jantar e muitas vezes para dormir. Algum tempo depois, ele nem mais se importava em tirá-la. Pouco a pouco, sua família se esqueceu de sua aparência sem a armadura”
Até que um dia, a esposa, que estava se sentindo totalmente infeliz e sozinha, disse para o cavaleiro que se ele não tirasse a sua armadura, ela e o filho iriam abandoná-lo:
-Então tire essa armadura para que eu possa ver quem você realmente é! — ela exigiu.
-Não posso tirá-la. Tenho de estar pronto para montar em meu cavalo e sair em qualquer direção — explicou o cavaleiro.
-Se você não tirar essa armadura, vou pegar o Christopher, montar no meu cavalo e sair de sua vida.
Isso foi um choque para o cavaleiro, pois ele amava tanto sua esposa quanto o seu filho. porém, também amava a sua armadura, pois ela revelava a todos quem ele era: um cavaleiro gentil, bondoso e amoroso.
O cavaleiro opta por tirar a armadura e preservar o seu casamento, porém, ao tentar tirá-la ele não consegue! A armadura ficou presa no seu corpo! Mas isso não era tanta surpresa, afinal, ele não a tirava fazia anos. Ele fica desesperado. Tenta pedir ajuda ao ferreiro mais forte do reino, mas ele não conseguiu tirar a armadura.
A esposa ficava cada vez mais distante do marido:
“-Não é culpa minha, se fiquei preso nesta armadura. Eu tinha de usá-la, pois só assim estaria sempre pronto para a luta. De que outro jeito poderia conseguir bons castelos e cavalos para você e Christopher?
-Você não fez isso por nossa causa — argumentou Juliet. — Você fez isso para você mesmo.”
Mas o cavaleiro não desistiu, ele sabia que ainda tinha alguém, em algum lugar, que poderia ajudá-lo! Então, ele pegou o seu cavalo e saiu cavalgando, em busca de alguma ajuda.
Eis que ele encontra o bobo da corte, perto da saída do reino, que lhe diz que o mago Merlin poderia ajudá-lo a remover sua armadura:
“-Cavaleiro, existe alguém que pode lhe ajudar, trazer seu verdadeiro eu para diante do olhar. “
“-Você conhece alguém que pode me tirar desta armadura? Quem é essa pessoa?”
-“O Mago Merlin você precisa encontrar, então descobrirá como se libertar”
O cavaleiro parte em direção a floresta, que era o local onde o Mago se encontrava (ele só não sabia onde exatamente). Depois de meses de busca, finalmente ele encontra o mago:
“Estive procurando por você — ele disse ao mago. — Há meses que estou perdido.”
“Toda a sua vida — corrigiu o mago”
O Merlin, então, começou o tratamento para retirar o cavaleiro da armadura, dando-lhe um líquido chamado “Vida”:
O que é essa bebida? — perguntou o Cavaleiro.
Vida — respondeu Merlin.
Vida?
Sim — disse o sábio mago. — Não parecia amargo no início, e depois, enquanto você provava mais, não ia se tornando agradável?
O cavaleiro concordou: Sim, e os últimos goles eram absolutamente deliciosos. Foi quando você começou a aceitar o que eslava bebendo.
Você quer dizer que a vida é boa quando a aceitamos? — perguntou o cavaleiro
E não é? — replicou Merlin, levantando uma sobrancelha em sinal de divertimento.
O cavaleiro queria sair logo da armadura. Estava inquieto, perturbado e sempre perguntava para o Merlin “Quando eu vou sair dessa armadura?” Todos os dias, Merlin respondia: “Paciência! Faz muito tempo que você a usa. Não dá para se livrar dela da noite- para o dia.”
O que eu achei muito legal dessa fábula é que, no seu decorrer, existem muitas reflexões que nos convidam a introspecção e ao questionamento interior. Como no caso dessa passagem a seguir, em que o cavaleiro pergunta para o Merlin se ele foi realmente o mestre do rei Arthur:
“Sim, fui o professor de Arthur — ele disse.
Mas como é possível você ainda estar vivo? Arthur viveu séculos atrás! — exclamou o cavaleiro.
Quando se está conectado à Fonte, passado, presente e futuro são tudo a mesma coisa — replicou Merlin.
O que é a Fonte? — perguntou o cavaleiro.
É o poder misterioso e invisível do qual tudo se origina.
Não compreendo — disse o cavaleiro.
Você não compreende porque tenta compreender com a mente, mas a mente é limitada.
Tenho uma mente muito boa — argumentou o cavaleiro.
Além de muito esperta — acrescentou Merlin. — Ela o aprisionou nessa armadura toda.“
“Você uma vez me disse que eu coloquei esta armadura porque tinha medo.
E não é verdade? — replicou Merlin.
Não, eu a vesti para me proteger, quando ia para a batalha.
E você tinha medo de que fosse gravemente ferido ou morto — acrescentou Merlin.
Não é do que todo mundo tem medo? Quem foi que disse que você tinha de ir batalhar?
Eu tinha de provar que era um cavaleiro bondoso, gentil e amoroso.
Se você era realmente bondoso, gentil e amoroso, por que precisava provar isso?“
O cavaleiro, durante o tempo que ficava com Merlin, começou a ficar ansioso, pois queria voltar logo a sua esposa e o seu filho:
“Para onde iria?
De volta até Juliet e Christopher. Eles estão sozinhos há muito tempo. Tenho de voltar e tomar conta deles.
Como você pode tomar conta deles, se não consegue nem tomar conta de si mesmo? — Merlin perguntou“
“Você quer dizer que eles poderiam não me querer de volta? – perguntou o cavaleiro, surpreso. — É claro que eles me dariam uma nova chance. Afinal de contas, sou um dos maiores cavaleiros do reino.
Talvez essa armadura seja mais espessa do que parece — disse Merlin, gentilmente”
O cavaleiro começou a refletir, então, sobre a péssima maneira como tratava a esposa e o seu filho, sendo praticamente um desconhecido entre eles, e acabou percebendo que talvez nem a esposa e nem o filho gostariam de tê-lo de volta. Isso fez o cavaleiro chorar intensamente, talvez pela primeira vez em sua vida.
De tanto chorar, o cavaleiro, exausto, acaba adormecendo. Quando acorda, ele se sente envergonhado por tal constrangimento. Porém, Merlin diz: “
“Você acaba de dar o primeiro passo para sair dessa armadura”
O Merlin, então diz que está na hora do cavaleiro partir – lembrando ao cavaleiro de seu proposito: de se livrar da armadura:
Por que me importar? — perguntou o cavaleiro morosamente. — Para Juliet e Christopher não faz diferença se eu retirar ou não esta armadura.
Pense em você mesmo — sugeriu Merlin. — Ter ficado preso em todo esse aço lhe causou um monte de problemas, e sua situação só irá piorar com o passar do tempo.
“E faz quanto tempo desde que você sentiu pela última vez o calor de um beijo, a fragrância de uma flor, ou ouviu o som de uma melodia bonita, sem que essa armadura se interpusesse no caminho?
Nem me lembro — resmungou o cavaleiro, tristemente. — Você está certo, Merlin. Tenho de retirar esta armadura para mim mesmo.
Você não pode continuar a viver e a pensar como fazia no passado — continuou Merlin. — Essa é a principal razão por que ficou encarcerado nessa prisão de aço.”
O cavaleiro pergunta a Merlin: Mas como eu conseguirei retirar essa armadura?
O Merlin lhe mostra, então, o caminho que o cavaleiro tinha percorrido até então, quando ele chegou na floresta pela primeira vez:
“Não percorri nenhum caminho — disse o cavaleiro. — Estive perdido durante meses!
É comum as pessoas não terem consciência do caminho que estão seguindo — replicou Merlin.
Você quer dizer que este caminho estava aqui, mas eu não conseguia vê-lo?
Sim, e você pode voltar por ele, se quiser, mas ele conduz à desonestidade, ganância, ódio, ciúme, medo e ignorância.”
O mago mostra uma outra alternativa, um outro caminho que o cavaleiro nunca tinha ouvido falar. Esse caminho era chamado “O Caminho da Verdade”. Era um caminho bem mais difícil que o anterior, o que acabou gerando grande incômodo ao cavaleiro, que diz:
“Não sei se vale a pena. O que vou ganhar quando atingir o topo?
É o que você vai perder — Merlin explicou. — A armadura!”
Então, o cavaleiro se viu diante de duas escolhas: Ele poderia voltar ao caminho antigo, continuando preso a armadura e se tornando cada vez mais isolado e infeliz ou prosseguir nesse caminho totalmente novo e desconhecido: o caminho da verdade! O cavalheiro, escolhe então, prosseguir no caminho da verdade.
Merlin avisa o cavalheiro que nesse caminho ele terá que passar por três castelos diferentes:
“O primeiro castelo chama-se Silêncio; o segundo, Conhecimento; e o terceiro, Vontade e Ousadia. Depois de entrar neles, você encontrará a saída somente depois de ter aprendido o que está lá para você aprender.”
Merlin diz, que além desses desafios, há uma outra batalha que ele têm que enfrentar nesse caminho: Aprender a amar a si mesmo – e isso só é possível com o autoconhecimento.
“Sim — ele concordou —, há uma outra batalha a ser travada no Caminho da Verdade. A luta será aprender a amar a si mesmo.”
Como farei isso? — perguntou o cavaleiro.
Para começar, você tem de aprender a se conhecer — respondeu Merlin. — Essa batalha não pode ser vencida com sua espada, portanto você pode deixá-la aqui.“
O cavaleiro começa, então, a caminhar em direção aos castelos, no caminho da verdade. Em um momento, percebe que o elmo de sua armadura se soltou. Isso aconteceu devido aquele intenso choro que o cavaleiro teve, ao saber que sua esposa e o seu filho talvez não o quisessem mais de volta.
“É isso! — ele exclamou. — Lágrimas de sentimentos reais me libertarão desta armadura!”
Depois de alguma caminhada, o cavaleiro finalmente está a poucos metros do castelo do silêncio. Ele fica um pouco desapontado pelo fato do castelo não ser aquilo que ele esperava (ele esperava um castelo com uma estrutura extravagante). Um dos dois animais que estavam o acompanhando nessa viagem, disso o seguinte para ele:
“Quando você aprender a aceitar em vez de ter expectativas, seus desapontamentos serão menores.”
“Os animais aceitam e os seres humanos têm expectativas. Você nunca ouvirá um coelho dizer “Espero que o sol apareça de manhã para eu poder ir até o lago brincar”. Se o sol não aparecer, isso não estragará o dia do coelho. Ele simplesmente é feliz sendo um coelho.”
“O cavaleiro refletiu sobre isso. Ele não conseguia se lembrar de muitas pessoas que eram felizes simplesmente sendo pessoas.”
Foi quando o cavaleiro chega a porta do primeiro castelo.
O Castelo do Silêncio
O silêncio que fazia nesse castelo era extraordinário, misterioso:
“O Castelo do Silêncio foi bem nomeado”, ele pensou. Nunca em sua vida se sentira tão sozinho.
O cavalheiro, inesperadamente, encontra o rei de seu reino dentro do mesmo castelo, que também estava seguindo o caminho da verdade:
— Estou surpreso de vê-lo aqui. Ouvi falar que o senhor estava numa cruzada.
É isso que eu digo sempre que viajo pelo Caminho da Verdade — o rei explicou. — E mais fácil para meus súditos entenderem.
O cavaleiro parecia intrigado. Todos entendem as cruzadas — disse o rei —, mas muito poucos entendem a verdade.
Sim — concordou o cavaleiro. — Eu mesmo não estaria neste caminho, se não estivesse aprisionado nesta armadura.
A maioria de nós está aprisionada no interior de uma armadura — declarou o rei.
O que o senhor quer dizer? — perguntou o cavaleiro. Nós levantamos barreiras para proteger quem pensamos ser. Então um dia ficamos presos atrás das barreiras e não conseguimos mais sair.
O rei diz ao cavalheiro que para avançar desse castelo, o cavalheiro precisa compreender a lição que estava ali – só assim a porta se revelaria.
“Quando você compreender o que há nesta sala, será capaz de ver a porta que conduz à sala seguinte“
O cavalheiro sugere que eles avancem juntos, para não terem que andar sozinhos nesse castelo silencioso, mas o rei responde:
“O rei balançou a cabeça, dizendo: Certa vez, tentei isso. É verdade que meus companheiros e eu não estávamos sozinhos, porque falávamos constantemente, mas quando se fala, é impossível ver a porta para sair desta sala.“
Então, o cavaleiro sugere que eles apenas andem em silêncio juntos. O rei, novamente, nega e diz:
“Não, já tentei isso também. O vazio se tornou menos doloroso, mas ainda assim eu não conseguia ver a porta para sair desta sala.
O cavaleiro protestou: Mas se o senhor não estava falando…
Ficar em silêncio significa mais do que não falar — disse o rei. — Descobri que, quando estava com alguém, mostrava apenas a minha melhor imagem. Não deixava as barreiras cederem e não permitia que nem eu nem a outra pessoa víssemos o que eu estava tentando esconder. É preciso ficar sozinho para deixar a armadura cair“
O rei se despede do cavaleiro e avança com sua jornada. O cavaleiro ainda não conseguia ver a porta. Ele se sentia muito desconfortável e triste com todo aquele silêncio, e então começou a cantar sem parar, para evitá-lo. Foi quando percebeu algo muito importante: ele tinha um grande medo de ficar sozinho.
“Conforme sentia sua voz ficando cansada, percebia que a quietude tornava seu canto inaudível, envolvendo-o num silêncio total e devastador. Somente então, o cavaleiro pôde francamente admitir algo que nunca tinha reconhecido antes: tinha medo de ficar sozinho.“
Começou a falar alto consigo mesmo, coisa que fazia desde sua infância, nunca deixando outras pessoas falarem – interrompendo-as constantemente. Ele também acaba descobrindo que tinha falado tanto a vida inteira para evitar se sentir sozinho.
Logo irrompeu em sua mente que, durante toda a sua vida, perdera tempo falando sobre o que tinha feito e o que iria fazer. Nunca desfrutara o que estava realmente acontecendo.
Foi quando o cavaleiro fez algo que nunca havia feito antes. Sentou-se tranquilo e ouviu o silêncio. Ocorreu-lhe que, na maior parte de sua vida, nunca tinha realmente ouvido alguém ou alguma coisa.
“Também não ouvira Juliet, quando ela tentava lhe dizer como se sentia — especialmente quando ela estava triste. Isso lembrava ao cavaleiro que ele estava triste também. De fato, uma das razões por que passara a deixar a armadura no corpo o tempo todo era que ela abafava o som da voz triste de Juliet. Tudo que tinha de fazer era abaixar a viseira, e com isso conseguia fazê-la se calar.”
Após perceber toda a dor que sua esposa passara, e a dor e solidão que estavam dentro dele, o cavaleiro começou a chorar muito. Depois de todo esse choro, ele escuta uma voz – a voz do seu verdadeiro eu:
“A voz parecia vir de dentro dele. Seria possível?
Sim, é possível — respondeu a voz. — Sou o seu eu verdadeiro.
Mas eu sou o meu eu verdadeiro — protestou o cavaleiro.
Olhe para si mesmo — disse a voz com uma ponta de desgosto —, sentado aí meio morto de fome, envolto nessa sucata com uma viseira enferrujada e ostentando uma barba ensopada. Se você é o seu eu verdadeiro, ambos estamos encrencados!
Agora preste atenção — disse o cavaleiro —, vivi todos esses anos sem ouvir uma única palavra sua. Agora que ouço, a primeira coisa que diz é que você é o meu eu verdadeiro. Por que não se manifestou antes?
Tenho estado por perto há anos — replicou a voz —, mas esta é a primeira vez que você fica quieto o bastante para me escutar.”
O cavaleiro, que estava cansado e com sono, adormece. Quando ele acorda, descobre que está do lado de fora do castelo! Ele nem percebe que esteve durante um longo tempo dentro desse castelo mas fica animado quando descobre que outra parte da sua armadura tinha se desgrudado de seu corpo (devido ao seu intenso choro). Então, ele segue com sua jornada.
O Castelo do Conhecimento
Logo ele chega ao Castelo do Conhecimento. Esse era o maior castelo que o cavaleiro já tinha visto. Ele entra no castelo e percebe que todo o seu interior estava escuro, não dava para ver nada. A única coisa que dava para ler era uma inscrição luminosa na parede que dizia:
O conhecimento é a luz através da qual você encontrará seu caminho.
Depois, ele descobre outra inscrição que dizia:
Será que você não confundiu necessidade com amor?
Sim, ele necessitara dela mais do que a amara. Quisera tê-la amado mais e necessitado menos dela, mas não sabia como. Enquanto chorava, ocorreu ao cavaleiro que ele também necessitara de Christopher mais do que o amara.
“Ele necessitara do amor de Juliet e de Christopher porque não se amava. Na verdade, ele necessitara do amor de todas as donzelas que resgatara dos dragões e de todas as pessoas por quem lutara nas cruzadas porque não se amava.“
O pranto do cavaleiro se intensificou quando ele compreendeu que, se não se amava, não poderia realmente amar os outros. A necessidade que tinha deles era um obstáculo ao amor.
Quando admitiu isso, uma grande luz surgiu em torno dele. Esta luz parecia vir de lugar nenhum e, ao mesmo tempo, de todos os lugares. Essa era a luz do autoconhecimento.
Em seguida, um dos animais que estavam o acompanhando nessa jornada, lhe mostra um espelho antigo que estava na parede do castelo. O animal diz que esse não era um espelho comum, e que era um espelho que não mostrava como você parece e sim como que você realmente é
“Quem é esse? — ele perguntou.
Esquilo respondeu: é você.
Este espelho é uma impostura — disse o cavaleiro. — Não é assim que me pareço.
Você está vendo seu eu verdadeiro — explicou Sam —, o eu que vive por debaixo dessa armadura.
Mas — protestou o cavaleiro, olhando de forma penetrante para o espelho —, este homem é um espécime perfeito. E sua face é plena de beleza e inocência.
Esse é o seu potencial — respondeu Sam —, ser belo, inocente e perfeito.
Se esse é o meu potencial — disse o cavaleiro —, algo terrível aconteceu no meu percurso para realizá-lo.
Sim — replicou Sam —, você colocou uma armadura invisível entre você e seus sentimentos verdadeiros. Ela está em você há tanto tempo, que se tornou visível e permanente.
Talvez eu tenha realmente escondido meus sentimentos — disse o cavaleiro. — Mas eu não podia simplesmente dizer tudo que me vinha à cabeça e fazer tudo que tinha vontade de fazer. Ninguém iria gostar de mim.“
Ao pronunciar essas palavras, o cavaleiro parou abruptamente, compreendendo que vivera toda a sua vida de maneira a fazer com que as pessoas gostassem dele. Pensou em todas as cruzadas que lutara, os dragões que matara e as donzelas que salvara da aflição — tudo para provar que ele era bondoso, gentil e amoroso. A verdade é que ele não precisava provar nada disso. Ele era bondoso, gentil e amoroso
Ao se iluminar ainda mais com tal verdade, o cavaleiro descobre uma árvore de maça. Nela estava outra inscrição, que dizia:
Para essa fruta, não imponho condição, mas que você agora aprenda sobre a ambição
O cavaleiro, sem saber a resposta, pergunta para os dois animais que estavam o acompanhando se sabia a solução desse enigma:
“Mas sei com certeza — disse a pomba pensativamente — que não tenho ambições.
Nem eu — aparteou Esquilo —, e aposto como essa árvore também não tem nenhuma.
Existe um propósito para ela — disse Rebecca. Essa árvore é como a gente. Não tem ambições. Talvez não se precise delas.
Isso está correto para árvores e animais — disse o cavaleiro. — Mas como seria uma pessoa sem ambição?
Feliz — falou Sam abertamente.“
Merlin, do nada aparece, e contribui:
“As árvores estão satisfeitas simplesmente sendo árvores… assim como Rebecca e Esquilo estão felizes simplesmente sendo o que são.
Mas os seres humanos são diferentes — protestou o cavaleiro. — Eles possuem mentes“
“Desculpe. É que os seres humanos têm mentes bastante complicadas, que fazem com que desejem tornar-se melhores — explicou o cavaleiro.
Melhores do que o quê? — Merlin perguntou, tirando displicentemente um som do alaúde.
Melhores do que são — respondeu o cavaleiro.
Eles nascem lindos, inocentes e perfeitos. O que pode ser melhor do que isso? — Merlin perguntou.
Não, estou querendo dizer que eles desejam ser melhores do que pensam que são, e desejam ser melhores do que os outros são… você sabe, como eu sempre quis ser o melhor cavaleiro do reino.
Ah, sim — disse Merlin —, a ambição originada dessa sua mente complicada o levou a tentar provar que você era melhor do que os outros cavaleiros.
E o que há de errado com isso? — perguntou o cavaleiro, defensivamente.
Como você poderia ser melhor do que os outros cavaleiros, quando todos eles nasceram lindos, inocentes e perfeitos como você?
Estava feliz tentando — replicou o cavaleiro.
Estava mesmo? Ou será que você estava tão ocupado tentando vir a ser que não podia desfrutar de ser simplesmente?
Você está me deixando todo confuso — resmungou o cavaleiro. —
Sei que as pessoas necessitam de ambição. Elas desejam ser inteligentes e ter bons castelos e poder trocar o cavalo do ano passado por um novo. Elas desejam progredir.
O Merlin diz: Agora você está falando sobre o desejo que o ser humano tem de ser rico, mas se ele é bondoso, amoroso, compassivo, inteligente e generoso, como poderia ser mais rico?“
O cavaleiro então, responde:
Essas riquezas não compram castelos e cavalos — disse o cavaleiro.
É verdade — Merlin sorriu —, existe mais de um tipo de riqueza… assim como existe mais de um tipo de ambição.
Para mim, ambição é ambição. Ou a pessoa deseja ir em frente ou não deseja.
Não é tão simples assim — respondeu o mago. — A ambição originada na mente pode lhe render lindos castelos e belos cavalos. Entretanto, somente a ambição que vem do coração pode trazer também felicidade.
O que é ambição que vem do coração? — questionou o cavaleiro.
A ambição do coração é pura. Ela não compete com ninguém e nem fere ninguém. De fato, ela o serve de tal maneira que serve os outros ao mesmo tempo.
Como? — perguntou o cavaleiro, esforçando-se por compreender.
É nesse ponto que podemos aprender com a macieira. Ela se tornou graciosa e plenamente madura, cheia de bons frutos que ela dá livremente a todos. Quanto mais maçãs as pessoas retiram dela — disse Merlin —, mais ela cresce e mais formosa se torna. Esta árvore está fazendo exatamente o que macieiras devem fazer: realizando seu potencial para benefício de todos. Pode acontecer o mesmo com as pessoas, quando a ambição delas vem do coração.
O cavaleiro percebeu que foi sua ambição incontrolável que o levou até aquela situação deplorável de estar preso a sua armadura. Foi, então, que ele jurou a si mesmo, só seguir as ambições de seu coração. Logo após isso, o castelo desapareceu e ele se encontrou novamente no caminho da verdade. Percebeu, também, que outra parte de sua armadura havia se soltado!
Tendo se livrado de toda a armadura, exceto do peitoral, o cavaleiro sentiu-se leve e jovem como há muitos anos não se sentia. Ele também descobriu que estava gostando de si como há muito tempo não gostava.
Com os passos firmes de um jovem, partiu em direção ao Castelo da Vontade e da Ousadia.
O Castelo da Vontade e da Ousadia
Ao alvorecer do dia seguinte, o cavaleiro chegou ao último castelo.
Quando estavam na metade do caminho, a porta do castelo foi escancarada e dela saiu ruidoso e ameaçador um imenso dragão que soltava fogo pelas ventas, cintilando com escamas verdes e brilhantes.
Sem saber o que fazer em seguida, o cavaleiro tentou ganhar tempo, perguntando ao dragão: — O que você está fazendo no Castelo da Vontade e da Ousadia? O Dragão, então, revela ao cavalheiro que ele era o Dragão do Medo e da Dúvida.
Um dos animais que estava acompanhando o cavalheiro disse: Uma vez Merlin disse que o autoconhecimento pode matar o Dragão do Medo e da Dúvida.
Ele estava com muito medo. Seu verdadeiro eu, aparece na forma de pensamento, e lhe comunica:
Como pode viver consigo, se não tem a vontade e a ousadia para testar seu autoconhecimento? . O autoconhecimento é verdade, e você sabe o que dizem: a verdade é mais poderosa que a espada.
O cavaleiro lembrou que não tinha de provar nada. Ele nascera bondoso, gentil e amoroso. Portanto, não precisava sentir medo e dúvida. O dragão não passava de ilusão.
Os animais também lhe disseram:
“Se você acredita que o Dragão do Medo e da Dúvida é real, você lhe dá poder para queimar suas calças e tudo mais — disse Esquilo.“
Enquanto o cavaleiro pelejava com sua coragem vacilante, ouviu Sam (seu eu verdadeiro) dizer:
Então, ele parte em direção ao dragão sem nenhum medo, pronunciando a si mesmo “Medo e dúvida são ilusões”.
O cavaleiro continuava a se aproximar e o dragão se tornava cada vez menor, até que finalmente não era maior do que um sapo. Suas chamas se extinguiram, e ele começou a cuspir pequenas sementes sobre o cavaleiro. Mas estas sementes — as Sementes da Dúvida — também não o impediram de continuar.
O dragão tornou-se ainda menor, enquanto o cavaleiro continuava a avançar determinadamente. O cavaleiro venceu o dragão. O dragão mal podia falar, a única coisa que disse foi o seguinte: Talvez você tenha vencido desta vez, mas voltarei vez após outra para me colocar no seu caminho.
Logo em seguida, o pássaro que o acompanhava disse:
“Está vendo, eu estava certa. O autoconhecimento pode matar o Dragão do Medo e da Dúvida.”
Então, o castelo desapareceu. Ele se viu de volta ao caminho da verdade, quase chegando ao cume. Nada podia detê-lo agora.
O Vértice da Verdade
Centímetro a centímetro e mão após mão, o cavaleiro escalou a montanha, os dedos sangrando de apoiar-se em pedras afiadas. Quando estava quase no topo, seu caminho foi bloqueado por uma imensa rocha.
Não era de surpreender que houvesse uma inscrição esculpida nela:
O cavaleiro refletiu sobre alguns dos “conhecidos” a que se agarrara durante toda a sua vida. Havia sua identidade — quem ele pensava que era e quem ele pensava que não era. Havia suas crenças — tudo aquilo que pensava ser verdadeiro e que pensava ser falso. E havia seus julgamentos — as coisas que considerava boas e as coisas que considerava ruins.
O cavaleiro levantou os olhos para a pedra, e um pensamento assustador entrou na sua mente: a pedra a que se agarrava para proteger sua estimada vida também era conhecida dele. A inscrição não queria dizer que ele teria de se desprender e cair no abismo do desconhecido?
O seu verdadeiro eu disse que era exatamente isso que ele tinha que fazer. Soltar! E acreditar!
O cavaleiro, assustado, pergunta:
Acreditar em quem? — o cavaleiro retrucou, com a cabeça quente.
Não quem — Sam replicou. — Não é um quem, mas um isso.
Isso? — perguntou o cavaleiro.
Sim — disse Sam. —Isso… a vida, a força, o universo, Deus… como você quiser chamar isso.
O cavaleiro, então, se soltou e mergulhou no abismo de suas memórias.
Ele relembrou tudo em sua vida pelo que havia culpado sua mãe, seu pai, seus professores, sua esposa, seus amigos e todos os outros. A medida que mergulhava ainda mais fundo no vazio, desprendia-se de todos os julgamentos que fizera contra essas pessoas.
Pela primeira vez, viu sua vida com lucidez, sem julgamentos e sem desculpas. Naquele instante, aceitou plena responsabilidade por sua vida, pela influência que as pessoas tiveram sobre ela e pelos acontecimentos que a tinham modelado.
Daquele momento em diante, não mais culparia ninguém ou qualquer coisa fora dele por seus erros e infortúnios. O reconhecimento de que ele era a causa, não o efeito, lhe deu um novo sentimento de poder. Agora não tinha mais medo.
De repente, não estava mais caindo, mas em pé no topo da montanha, e compreendia o total significado da inscrição na rocha. Ele se desprendera de tudo que temia e tudo que tinha conhecido e possuído.
Sua vontade de abarcar o desconhecido o tinha libertado. Agora o universo lhe pertencia para experimentar e desfrutar.
Ele sentiu uma profunda paz e alegria, e começou a chorar de gratidão. Suas lágrimas começaram a derreter o restante de sua armadura.
O cavaleiro gritou de alegria. Nunca mais vestiria a armadura e sairia cavalgando em todas as direções. A fábula termina assim:
“Ele sorriu através das lágrimas, sem perceber que uma nova e radiante luz emanava dele — uma luz muito mais brilhante e bonita do que sua armadura com o melhor dos polimentos: borbulhante como um riacho, brilhante como a lua, deslumbrante como o sol.
Pois, de fato, o cavaleiro era o riacho. Ele era a lua. Ele era o sol. Ele podia ser todas essas coisas de uma vez agora, e muito mais, porque ele era um com o universo.
Ele era amor.
O Começo”
Espero que tenham gostado dessa “resenha”! Recomendo fortemente a leitura dessa fábula! Abraços e até o próximo artigo.
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