Você pode ter ouvido – ou mesmo usado – os termos religião e espiritualidade como se fossem sinônimos. Mas embora não sejam diametricamente opostos, também não são iguais. Nesse artigo vou falar sobre as principais diferenças a religião e espiritualidade.
Por milhares de anos, a humanidade perseguiu apaixonadamente a Verdade – as respostas definitivas para a vida e o universo. Procuramos desesperadamente as respostas para as chamadas perguntas da alma, que são:
- Quem sou eu?
- O que eu quero?
- Qual é o meu propósito?
- Qual o significado da vida?
Historicamente, do ponto de vista da alma, houve dois caminhos fundamentais para descobrir essas verdades: religião e espiritualidade. Embora tenham muitas semelhanças e haja uma relação entre as duas, existem diferenças significativas entre a religião e espiritualidade.
Vamos nos aprofundar melhor em cada uma delas:
Religião x Espiritualidade
Por definição, religião é um conjunto ou sistema institucionalizado de atitudes, crenças e práticas religiosas; é o serviço e a adoração a Deus ou ao sobrenatural.
Espiritualidade, por outro lado, conota uma experiência de conexão com algo maior do que você; é sobre você viver sua vida cotidiana de maneira reverente e sagrada.
As religiões são mais frequentemente baseadas nas vidas, ensinamentos e crenças de uma figura histórica ou arquetípica (por exemplo, Cristo, Buda, Moisés, Krishna, Muhammad).
Os detalhes de suas vidas como seres sagrados ou altamente evoluídos nos foram transmitidos através do tempo por meio da tradição oral e das escrituras escritas. Essas figuras são objeto de adoração e devoção e constituem a base de práticas e rituais religiosos em uma comunidade.
Em contraste, a espiritualidade é mais frequentemente baseada na aplicação prática dos ensinamentos do fundador. Os aspirantes espirituais seguem o conselho do poeta japonês Matsuo Basho: “Não busque seguir os passos dos sábios. Procure o que eles procuraram. ”
Vamos prosseguir falando mais sobre as principais diferenças entre espiritualidade e religião. É muito importante entender que isso que eu vou falar aqui não são verdades absolutas – são meramente marcadores gerais destinados a explorar melhor as qualidades entre duas abordagens igualmente válidas para buscar a verdade- tanto que é perfeitamente possível ao mesmo tempo ser religioso e espiritual ou não religioso e espiritual.
Espiritualidade
No geral, ser espiritual é um pouco difícil de definir, pois é muito experiencial. É totalmente focada na sua própria experiência. É a experiência direta de algo além dos seus 5 sentidos ou algo além do mundo ordinário. É a experiência de estados elevados de consciência.
Ela não é baseada em fé. Você não precisa de fé se tiver a experiência direta das coisas (diferente de uma pessoa religiosa, que pode ter que lutar para acreditar ou depositar sua fé em crenças que sua própria instituição fornece).
Práticas espirituais como meditação, ioga, silêncio e contemplação permitem que você faça contato consciente com estados de consciência mais expandidos, ajudando assim a validar experiencialmente os ensinamentos em vez de aceitá-los apenas com base na fé. Você sabe de algo porque experimentou a experiência por si mesmo e permitiu que ressoasse, em vez de aceitar a palavra de outro.
A espiritualidade é voltada para dentro e não tem regras, você que tem suas próprias regras, baseia-se inteiramente na sua própria experiência individual. Sua experiência de Deus pode ser não compatível com as escrituras.
O aspirante espiritual reconhece que está em um “caminho sem caminhos” de autodescoberta. Ele está seguindo não um conjunto de regras externas, mas seu próprio chamado interior para o espírito. Desta forma, a espiritualidade às vezes pode parecer como um ato rebelde de deixar a tribo e seguir seu próprio caminho.
Espiritualidade não é sobre seguir regras específicas (como aquelas definidas pela religião) e sim o reconhecimento que você é mais do que somente o corpo físico. Ela diz que você tem a semente do divino dentro de você – podemos chamar isso de sua natureza de Buda ou Cristo.
Cristo é um outro nome para estado de buda, o estado supremo de consciência. Cristo é a essência de Deus dentro de nós ou o nosso Eu interior, como às vezes é chamado no Oriente.
Margaret Paul diz o seguinte a respeito da espiritualidade:
“Ser uma pessoa espiritual é sinônimo de ser uma pessoa cuja maior prioridade é ser amoroso consigo mesmo e com os outros. Uma pessoa espiritual se preocupa com as pessoas, animais e o planeta. Uma pessoa espiritual sabe que somos todos Um, e conscientemente tenta honrar essa Unidade. Uma pessoa espiritual é uma pessoal gentil.”
Osho fala o seguinte sobre o significado da verdadeira religião:
“A verdadeira religião não precisa de mediadores, uma vez que entre o homem e a existência há uma relação imediata. Tudo o que se deve aprender é como compreender a linguagem da existência.
Todos tem que encontrar a verdade por si mesmos, ninguém pode fazer esse serviço por eles. É você rejeitar qualquer tipo de autoridade.
O homem não é um estranho e nem vem de outro lugar, o homem cresce dentro da existência. Ele é parte da existência, parte essencial da existência. Precisa apenas permanecer em silêncio, o suficiente para ouvir aquilo que não pode ser dito em palavras: a canção da existência.”
Religião
Em sua essência, a religião tem a ver com fé. Ou seja, a crença em algo baseado na aceitação incondicional dos ensinamentos da religião. A religião é um conjunto específico de crenças e práticas organizadas, geralmente compartilhadas por uma comunidade ou grupo.
Religião é um conjunto de dogmas e regras inquestionáveis que precisam ser seguidas sem questionamento. Já a espiritualidade convida o questionamento de suas crenças, suposições, incentiva você a questionar tudo e dá a você a possibilidade de decidir as suas ações e assumir as consequências.
A religião é externa, ela é baseada em regras desenvolvidas por outras pessoas, escrituras. A religião é um acordo entre um grupo de pessoas sobre o que é Deus.
Regras morais, leis e doutrinas, bem como códigos e critérios específicos, criam a estrutura organizada que contém o sistema de crenças específico da religião. Isso não é necessariamente uma coisa ruim. Em tempos anteriores, mais incertos, as regras e dogmas da religião organizada ajudaram a dar à sociedade um senso de certeza e ajudaram a guiar e confortar aqueles com falta de fé e desesperança.
Porém, sempre que uma crença é imposta com rigidez, pode causar danos. Pode restringir nossa liberdade e levar ao conflito entre aqueles que têm crenças diferentes.
Tem essa frase que eu vi em algum lugar (não sei de quem é a autoria) que diz o seguinte:
“A diferença entre religião e espiritualidade: religião confina Deus a algumas regras, princípios e versos mas a espiritualidade expande-o para o Universo”
Resumo das principais diferenças entre espiritualidade e religião
Para finalizar esse artigo, vou colocar aqui embaixo, uma parte de uma entrevista com o Jiddu Krishnamurti que é sensacional:
O senhor nunca menciona Deus. Ele não tem lugar nos seus ensinamentos?
Krishnamurti: Você fala muito a respeito de Deus, não fala? Seus livros estão cheios Dele. Você constrói igrejas, templos, faz sacrifícios, pratica rituais, celebra cerimônias e tem uma porção de idéias a respeito de Deus, não tem? Você repete a palavra, mas seus atos não são divinos, são? Embora você venere aquilo que chama de Deus, seu comportamento, suas ideias, sua existência não são divinos, são? Embora você repita a palavra Deus, você explora os outros, não explora? Você tem seus deuses — hindus, maometanos, cristãos e todos os demais. Você constrói templos e quanto mais rico fica, mais templos constrói.
De forma que você está familiarizado com Deus, pelo menos com a palavra Deus ou uma outra palavra qualquer, mas Deus não é a palavra que você usa. O fato de você usá-la não significa que você conheça Deus; você apenas conhece a palavra. Eu não uso essa palavra pela simples razão de que você a conhece. O que você conhece não é o real. E, além disso, para encontrar a realidade, todas as murmurações verbais da mente devem cessar, não devem? Você constrói imagens de Deus, mas essas imagens não são Deus, claro. Como você pode conhecer Deus???
Obviamente, não através de uma imagem, não através de um templo. Para hospedar Deus, o não-conhecido, a mente precisa ser o não-conhecido. Se você parte no encalço de Deus, então você já conhece Deus, você conhece o objetivo. Você sabe o que está perseguindo, não é mesmo? Se você busca a Deus, você deve saber o que é deus, do contrário não o estaria buscando, não é mesmo? Você o busca ou de acordo com seus livros, ou de acordo com seus sentimentos e seus sentimentos não passam de resposta da memória. Portanto, aquilo que você busca já está criado ou por intermédio da memória ou da tradição e aquilo que é criado não é eterno — é produto da mente.
Se não existissem livros, se não existissem gurus, se não existissem fórmulas para serem repetidas, você só conheceria a tristeza e a alegria, não é? — tristeza constante e raros momentos de alegria. E então você gostaria de saber por que sofre. Você não poderia se amparar em Deus — mas, provavelmente, enfrentaria outras formas de proteção, e logo inventaria deuses como uma saída. Mas se você quer realmente entender todo o processo do sofrimento, como um novo homem, como um outro homem, indagando e não fugindo, então você se libertará da tristeza, e então descobrirá o que é a realidade, o que é Deus. Porém, um homem infeliz não pode encontrar Deus ou a realidade; a realidade só pode ser encontrada quando cessa o sofrimento, quando reina a alegria, não como um contraste, não como um oposto, mas como um estado de existir no qual não existem opostos.
De forma que o não-conhecido, aquilo que não é criado pela mente, não pode ser formulado pela mente. O não-conhecido não pode ser pensado. A partir do momento que você pensa a respeito do não-conhecido, o não-conhecido já se transformou em conhecido. Claro que você não pode pensar a respeito do não-conhecido, pode? Você só pode pensar a respeito do conhecido. O pensamento se move do conhecido para o conhecido; e o conhecido não é a realidade, é? Portanto, quando você pensa e medita, quando você se concentra e pensa em Deus, você somente pensa a respeito do que é conhecido e o que é conhecido faz parte do tempo; está emaranhado na rede do tempo e, por conseguinte, não é o real. A realidade só se concretiza quando a mente se liberta das malhas do tempo.
Quando a mente deixa de criar, nasce a criação. Isto é, a mente precisa estar absolutamente quieta, mas não devido a uma quietude induzida, hipnotizada, que representa apenas um resultado. Tentar chegar à quietude para experienciar a realidade é uma outra forma de fuga. Só existe silêncio quando cessam todos os problemas. Como é calmo o lago quando cessa a brisa, assim a mente se torna naturalmente quieta quando o agitador, o pensador para. Para acabar com o pensador, todos os pensamentos que ele arquiteta devem acabar. De nada adianta construir uma barreira, uma resistência contra o pensamento, porque os pensamentos é que devem acabar.
Quando a mente está quieta, a realidade, o indescritível, se concretiza. Você não pode convidá-la. Para convidá-la, você precisa conhecê-la e o conhecido não é o real. De forma que a mente precisa ser simples, livre de crenças, de ideações. E, quando há quietude, quando não existe nem desejo, nem ansiedade, quando a mente está absolutamente tranquila, dentro de uma tranquilidade que não é induzida, então, a realidade chega. E essa verdade, essa realidade, é o único agente transformador; é o único fator que acarreta uma revolução radical, fundamental na existência, em nossa vida diária. E encontrar essa realidade não é procurá-la, mas entender os fatores que agitam a mente, que perturbam a própria mente. Então a mente se torna simples, quieta, tranquila. Nessa tranquilidade o não-conhecido, o incognoscível se concretiza. E, quando isso acontece, é uma benção.
Krishnamurti — Bombaim, 8/02/1948 — Collected Works of J. Krishnamurti
Espero que esse artigo tenha sido esclarecedor! Não deixe de comentar o que pensam a respeito das diferenças entre a religião e a espiritualidade!
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