O Amor Superficial da Modernidade
Falar sobre o amor nos induz a percorrer caminhos para além do território de Eros – o amor sensual e erótico. Necessitamos também falar de Philia: o amor dos pais para com seus filhos, o amor maternal, familiar. Necessitamos lembrar de Ágape, o amor existente na amizade, na cooperação e aliança comunitária e, também falar de Caritas que remete ao amor incondicional, divino, do homem para com Deus e vice versa.
As formas de amor e como as vivenciamos estão implicadas em nosso estado de felicidade e saúde. O amor é força central e imanente à vida. E como aprendemos a amar? Aprendemos a amar desde o momento em que nascemos: através de nossas primeiras experiências vivenciamos o amor com as figuras parentais: se estabelecem ligações, simbolizações e representações – organizam-se nossos arranjos afetivos.
As formas de amar são aprendidas e reproduzidas. Importante falar que o amor traz em sua dinâmica também o ódio. Amar e odiar são estados afetivos que determinam a relação do Eu com o mundo exterior, sejam eles pessoas ou coisas. Amar é querer, desejar, criar, cuidar, animar, alegrar.
Odiar é o estado afetivo que nos impulsiona à raiva, à agressividade, à aversão, à fuga. O ódio é sempre aversivo e não raro tende a destruição do objeto. Aproximação e repulsa são ações determinadas pelo amor e pelo ódio.
Jacques Lacan cunhou o neologismo “amódio” como síntese dialética entre amor e ódio. Ele diz: “Somos todos seres amódicos: amamos e odiamos com igual intensidade, muitas vezes o mesmo objeto”.
Quando pensamos no oposto do amor, temos a indiferença – não é o ódio o contrário do amor, mas sim a indiferença.
Dentro do campo Amor/Ódio com os seus desdobramentos, vivemos e construímos nossa história. Aprendemos a amar/odiar e reproduzimos. Além de expressões de ódio, o amor pode apresentar-se imbuído de medo, de receio de castração ou outros afetos.
Somos atravessados por elementos variados que se compõe com o amor. Não é possível o amor humano ser puro. No texto datado no ano de 1933, uma resposta a pergunta feita por Albert Einstein, através de uma carta: “Por que a Guerra?” Freud fala sobre a teoria das pulsões.
Compartilha com Einstein sua teoria de que o homem é mobilizado por duas pulsões, cujas atividades são opostas entre si: a pulsão construtiva, erótica ou Eros e a pulsão destrutiva, de morte ou Tanatos. Freud expõe que Tanatos pode ser direcionado por Eros ( pulsão de vida) o que coloca o amor na condição de ser dispositivo de mudança e transformação tanto para o bem quanto para o mal.
E cabe a pergunta: Como está o amor hoje? Quando vimos os relacionamentos amorosos atuais, assistimos desamor, insensibilidade e objetivo hedonista.
Citando Zygmunt Bauman: hoje se vive o amor líquido: aquele amor que se mostrará enquanto houver satisfação sendo substituído por outros que prometem ainda mais satisfação. Mas, o amor não é um “objeto encontrado” e sim um produto de longo e muitas vezes difícil esforço e boa vontade.
A maioria dos relacionamentos está fluida, superficial e isso aproxima o oposto do amor: a indiferença que se espalha, permeando as relações. Importante neste momento, trazer o que Lacan fala sobre o amor: ”amar é dar o que não se tem – é dar algo que não se possui que vai além de si mesmo. No amor, anuncia-se, portanto, que não se é completo. Àquele que se ama é um retrato de uma ausência no Ser”.
O encontro amoroso, mesmo quando bem sucedido, será sempre marcado pela dimensão da falta, seguindo a tese de que o amante não sabe o que lhe falta e o amado não reconhece o que há em si para cobrir a falta do outro. Quando amamos, mesmo sem darmos conta, esperamos que a pessoa que escolhemos amar revele informações sobre nós mesmos as quais ainda não descobrimos.
Ainda sobre o amor, Freud acrescenta que não se encontra seu ‘cada um’, sua ‘cada uma’ por acaso. Existe a condição do amor, a causa do desejo: pode ser um traço particular, ou um conjunto de traços, que tem para cada um, função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às explicações cientificas, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Tem a ver com nossos arranjos internos, nossas identificações e projeções.
Quando refletimos sobre Philia vimos o quão superficiais estão as relações familiares: a falta de atenção e cuidado de um para com o outro, os vínculos fragilizados, hostilidade e por vezes, indiferença. Quando pensamos em Agape, vimos predominar no meio social, o individualismo, a corrida pelo poder e sucesso a qualquer preço, lançando mão de valores preciosos à convivência social, a falta de empatia e solidariedade para com os colegas.
Quando pensamos em Caritas, observamos o quão distante estão os homens em sua relação com os valores promotores de vida, o abandono da relação com o divino e o escasso respeito pelo mundo. Ou seja, o amor está enfraquecido em suas formas de expressão.
Diante deste cenário vale ressaltar que é a partir do amor que o sujeito se constitui, é por conta do amor que o sujeito adoece e é pelo amor que o sujeito se cura. Viver o amor de forma patológica ocasiona a produção de sintomas, inibições, angústia.
Referências: pepsic.bvsalud.org/pdf/trivium/v7n2/v7n2a10.pdf . FREUD, Sigmund. Por que a guerra? (1933), Vol XXII. https://teses.usp.br/…/59142/tde-21062017-131647/pt- br.php.
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