Nesse post irei fazer uma resenha do livro Meditações do Marco Aurélio, resumindo suas principais ideias da filosofia estoica – a filosofia da serenidade inabalável. Logo depois da resenha, deixei separado mais abaixo as melhores frases que selecionei do livro, então fique comigo até o final desse artigo!
Resenha Meditações Marco Aurélio
O livro “Meditações” de Marco Aurélio é uma série de escritos pessoais que o imperador escreveu a si mesmo, relacionados a filosofia estoica. Os escritos do Marco Aurélio apresentam bem as ideais estoicas que giram em torno da negação de uma emoção, de uma habilidade, que, segundo o imperador libertarão o homem das dores e dos prazeres do mundo material.
“O arrependimento é certa censura pessoal por ter deixado de fazer algo útil. E o bem deve ser algo útil e deve preocupar-se com ele o homem íntegro. Pois nenhum homem íntegro se arrependeria por ter desdenhado um prazer; por consequência, o prazer nem é útil nem é bom.“
“Cada coisa nasceu com uma missão, assim o cavalo, a videira. Por que te assombras? Também o Sol, dirá: “nasci para uma função, assim como os demais deuses”. E tu, para que? Para o prazer? Analise se é tolerável a ideia.”
Marco Aurélio parecia acreditar que algum tipo de força lógica e benevolente (Natureza) organizasse o universo de tal maneira que até mesmo os acontecimentos “ruins’ ocorriam para o bem do todo.
Ele e muitos estoicos acreditavam que o mundo é organizado de forma racional e coerente, sendo controlado e dirigido por uma força chamada “Natureza” – uma força que engloba tudo e é a responsável pelo acontecimento e determinação de todos os eventos – uma corrente inquebrável de relações de causa x efeito.
Marco Aurélio diz que o “design” do mundo é como uma inundação, que está sempre avançando. Você pode ir com a corrente e fazer o que a Natureza demanda/requer ou você pode resistir e ser arrastado para baixo. Uma frase que ele diz é a seguinte: “Todos os elementos obedecem o mundo, então porquê você é o único reclamando?“
“Harmoniza comigo tudo o que para ti é harmonioso, ó mundo! Nenhum tempo oportuno para ti mesmo é prematuro nem tardio para mim. É fruto para mim tudo o que produzem tuas estações, ó natureza! De ti procede tudo, em ti reside tudo, tudo volta a ti“
“Porque incomodar-se com algum acontecimento é uma separação da natureza, em cuja parcela estão abrigadas as naturezas de cada um dos seres restantes”
“Pois não haveria acontecido algo assim se não fosse importante para o todo; porque a natureza, qualquer que seja, nada produz que não se adapte ao ser governado por ela”
“Medite com frequência sobre a conexão de todas as coisas existentes no mundo e em sua mútua relação. Pois, de certa forma, todas as coisas se entrelaçam umas com as outras e todas, nesse sentido, são amigas entre si; pois uma está à continuação da outra devido ao movimento ordenado, do hábito comum e da unidade da substância.
“Todos nós colaboramos para o cumprimento de um só fim, uns consciente e Consequentemente, outros sem sabê-lo; como Heráclito, creio, diz que, inclusive os que dormem, são operários e colaboradores do que acontece no mundo. Um colabora de uma maneira, outro de outra, e inclusive, por acréscimo, o que critica e tenta se opor e destruir o que faz. Porque também o mundo tinha necessidade de gente assim.””
A verdadeira alegria é fazer o máximo que sua natureza requer. Portanto, uma coisa fundamental que ele ensina é: Pare de resistir ao fluxo das coisas!
“Existam átomos ou natureza, admita-se de entrada que sou parte do conjunto universal que governa a natureza; logo, sou parente das outras partes que a mim se assemelham. Porque, tendo isto presente, em tanto que sou parte, não me contrariarei com nada do que me é atribuído pelo conjunto universal. Porque este nada tem que não convenha a si mesmo, dado que todas as naturezas têm isto em comum e, entretanto, a natureza do mundo se adotou o privilégio de não ser obrigada por nenhuma causa externa a gerar nada que a si mesmo prejudique.
Precisamente, tendo isto presente, ou seja, que sou parte de um conjunto universal de tais características, acolherei com prazer todo sucesso. E na medida em que tenho certo parentesco com as partes de minha mesma condição, nada contrário ao conjunto executarei, mas sim ao bem meu objetivo tenderá para meus semelhantes. E para o que é proveitoso ao todo, encaminharei todos meus esforços, abstendo- me do contrário. E se assim se cumprem estas premissas, forçosamente, minha vida terá um curso feliz, do mesmo modo que também conceberias próspera a vida de um cidadão que transcorresse entre atividades úteis aos cidadãos e que aceitasse gostosamente o encargo que a cidade lhe atribuísse”
Outra coisa interessante que ele fala é que o que quer que tenha acontecido com você, foi designado e orquestrado pela Natureza, por uma cadeia de reações de causa e efeito que ocorrem desde o início dos tempos. Tudo o que aconteceu a você foi para o seu próprio bem e para o bem do mundo. Aquilo foi destinado a acontecer, desde o início, e foi para o seu próprio bem.
“Viste aquilo? Vê também isso. Não te espantes. Mostra-te simples. Erra alguém? Erra consigo mesmo. Aconteceu algo contigo? Está bem. Tudo o que te sucede estava determinado pelo conjunto desde o princípio e estava tramado. Em resumo, breve é a vida. Devemos aproveitar o presente com bom juízo e justiça. Sê sóbrio ao relaxar-te”
“Algo que te aconteça, desde a eternidade, já estava preestabelecida para ti. E tudo que te aconteça provém do encadeamento de causas.”
“E da mesma forma abrace tudo o que lhe acontece, ainda que lhe pareça penoso, porque conduz àquele objetivo, à saúde do mundo, ao progresso e ao bem-estar de Zeus. Pois não haveria acontecido algo assim se não fosse importante para o todo; porque a natureza, qualquer que seja, nada produz que não se adapte ao ser governado por ela. Assim, convém amar o que acontece a ti por duas razões: uma, porque para ti se foi feito, e a ti foi designado e, de certa forma, a ti estava vinculado desde cima, encadeado por causas muito antigas; e em segundo lugar, porque o que acontece a cada um em particular é causa do progresso, da perfeição e, por Zeus, da mesma continuidade daquele que governa o conjunto do universo. Pois fica mutilado o conjunto inteiro, se for cortada, ainda que minimamente, sua conexão e continuidade, tanto de suas partes como de suas causas. E, assim, quebra-se dito encadeamento, na medida em que de ti depende, sempre que desanimas e, de certa forma, o destrói.”
“Faço algo? O faço considerando o benefício aos homens. Acontece algo a mim? O aceito oferecendo-o aos deuses e à fonte de tudo, da qual emanam todos os acontecimentos.”
Todos nós precisamos exatamente das coisas que a Natureza nos trás e isso é uma coisa que resistimos. Quando algo “ruim” acontece, nós dizemos “Por que isso foi acontecer comigo, que mundo injusto!” – mas na verdade tal acontecimento foi destinado a acontecer, desde o início dos tempos, para o bem de todos – é o que a Natureza prescreveu. Não importa se foi ruim ou bom, foi prescrito e ordenado pela Natureza.
Abrace tudo o que acontecer a você, pois você precisa exatamente dessas experiências para crescer! O Marco Aurélio basicamente diz “Não seja ansioso, não reclame, não fique bravo, pois nada pode acontecer a você que não seja natural e que você não consiga aguentar”.
“A mudança é temida? E que pode acontecer sem mudança? Existe algo mais querido e familiar à natureza do conjunto universal? Poderias tu mesmo lavar-te com água quente, se a lenha não se transformasse? Poderias alimentar-te se os alimentos não se transformassem? E outra coisa qualquer entre as úteis, poderia cumprir-se sem transformação? Não percebes, pois, que tua própria transformação é algo similar e igualmente necessária à natureza do conjunto universal?“
Todo o nosso problema se encontra na nossa percepção equivocada – nossos rótulos e opiniões sobre eventos/acontecimentos, que classificamos como “bons” ou “maus”. Quando você deixar de lado tais julgamentos e passar aceitar as coisas como elas são, você entende que não importa o que aconteça, pois é exatamente disso que você precisa para o seu crescimento. Não importa o que acontecer, eu aprendo!
A perturbação não vem de algo externo e sim de dentro, de acordo com nossas percepções. Muito do nosso sofrimento se origina dessas interpretações erradas, não é o evento em si que está causando o sofrimento. A única maneira de um homem ser atingido pelos outros seria se ele permitisse que sua reação tomasse conta de si.
“E entre as máximas que terás à mão e às quais te inclinará, estejam presentes essas duas: uma, que as coisas não alcançam a alma, mas se encontram fora dela, desprovidas de temor, e as perturbações surgem da única opinião interior. E a segunda, que todas essas coisas que estás vendo, logo se transformarão e já não existirão. Pensa também, constantemente, de quantas transformações tu mesmo já fostes testemunha“
Além disso, ninguém pode te impedir de viver o que sua natureza requer, incluindo sua situação de vida atual. Nós tendemos a achar que nossa situação de vida está nos paralisando, porém, você pode viver de acordo com sua natureza aqui e agora.
Ele também diz que se a sua reputação te incomoda, uma pergunta que você pode se perguntar é “Se algo é genuinamente belo, essa coisa precisa de complementos? Ela pode ser melhorada com a adoração ou machucada pelo desprezo?”
Outra coisa importante que ele deixa bem claro é a de que nada pertence a você! Nós tendemos a querer possuir as coisas (“meu computador”, “minha namorada”, “meu carro”), porém, na verdade, tudo pertence a Natureza – e é ela que pode te dar algo ou pode retirar algo de você. Se ela te der algo, curta enquanto durar mas não se apegue a tal coisa.
Se você ficar apegado a algo, em algum tempo você vai perder essa coisa e vai se sentir mal. Até mesmo se você tiver tal coisa, terá agora medo de perdê-la.
Basicamente, tudo vem da mesma Fonte – a Natureza. A própria morte, que rotulamos como algo ruim, é um processo da Natureza. O seu trabalho é passar essa vida curta conforme a Natureza demandar, conforme o que ela requer de você. Portanto, desista de reclamar!
“E seja suficiente para ti viver o resto da tua vida, dure o que durar, como tua natureza quer. Em consequência, pense em qual é seu desejo, e nada mais te inquiete. Comprovaste em quantas coisas andaste sem rumo, e em nenhuma parte encontraste a vida feliz, nem nas argumentações lógicas, nem na riqueza, nem na glória, nem no gozo, nem em parte alguma. Onde está, então? No fazer o que quer a natureza humana. Como consegui-lo? Com a posse dos princípios dos quais dependem os instintos e as ações. Quais princípios? Os que concernem ao bem e ao mal, na convicção de que nada é bom para o homem, se não lhe torna justo, sensato, valente, livre; como tampouco nada é mau, se não lhe produz os efeitos contrários ao dito.”
“Julga-te digno de toda palavra e ação de acordo com a natureza; e que a crítica que alguns suscitarão a seu propósito não te desvie do teu caminho; pelo contrário, se é bom ter agido e ter falado, não te consideres indigno. Pois aqueles têm seu guia particular e se valem de sua particular inclinação. Mas não cobices essas coisas; antes, atravesse o reto caminho em consonância com tua própria natureza e com a natureza comum; pois o caminho de ambas é único“
O que morre não desaparece – aquilo fica no mundo de uma forma transformada. Você funcionou como parte de algo maior, do Todo, e será restaurado no que te produziu. Tudo vem do mesmo lugar e tudo acaba no mesmo lugar. Portanto, ame tudo e a si mesmo, se você odeia algo está odiando a Natureza!
“Mas, o que é, afinal, a lembrança eterna? Vaidade total. O que é, então, o que deve impulsionar nosso afã? Tão somente isso: um pensamento justo, umas atividades consagradas ao bem comum, uma linguagem incapaz de enganar, uma disposição para abraçar tudo o que acontece, como necessário, como familiar, como fluente do mesmo princípio e da mesma fonte“
“Mas eu te responderia com esta justa razão: estás equivocado, amigo, se pensas que um homem deve calcular o risco de viver ou morrer, inclusive sendo insignificante a sua valia, e, em troca, pensas que não deve examinar, quando age, se são justas ou não suas ações e próprias de um homem bom ou mau”
“Porque não deve o homem que valorize sê-lo preocupar-se com a duração da vida, tampouco deve ter excessivo apego a ela, mas confiar à divindade esses cuidados e dar crédito às mulheres quando afirmam que ninguém poderia evitar o destino. A obrigação que lhe incumbe é examinar de que modo, durante o tempo que viverá, poderá viver melhor.”
“Em cada ação, pergunte a ti mesmo: como é essa ação em relação a mim? Não me arrependerei depois de fazê-la? Dentro de pouco estarei morto e tudo terá desaparecido. O que mais buscarei, se minha presente ação é própria de um ser inteligente, sociável e sujeito à mesma lei de Deus?”
Frases do livro Meditações de Marco Aurélio (Estoicismo)
“Cuidado! Não te convertas em um César, não te manches sequer, porque costuma ocorrer. Mantenha-te, portanto, simples, bom, puro, respeitável, sem arrogância, amigo do justo, piedoso, benévolo, afável, firme no cumprimento do dever. Lute por conservar-te tal qual a filosofia quis fazer-te. Respeite os deuses, ajude a salvar os homens. Breve é a vida.
O único fruto da vida terrena é uma piedosa disposição e atos úteis à comunidade. Em tudo, proceda como discípulo de Antonino; sua constância em agir conforme a razão, sua equanimidade em tudo, a serenidade de seu rosto, a ausência nele de vanglória, seu afã no que se refere à compreensão das coisas. E lembra-te de como não haveria omitido absolutamente nada sem uma profunda análise prévia e sem uma compreensão com clareza; e como suportava sem replicar os que lhe censuravam injustamente; e como não tinha presa por nada; e como não aceitava as calúnias; e como era escrupuloso indagador dos costumes e dos feitos; mas não era insolente, nem lhe atemorizava a agitação, nem era desconfiado, nem charlatão.
E como tinha bastante com pouco, para sua casa, por exemplo, para seu leito, para sua vestimenta, para sua alimentação, para seu serviço; e como era diligente e amistoso; e capaz de permanecer na mesma tarefa até o entardecer, graças à sua dieta frugal, sem ter necessidade de evacuar os resíduos fora da hora de costume; e sua firmeza e uniformidade na amizade; e sua capacidade de suportar aos que se opunham sinceramente a suas opiniões e de alegrar-se, se alguém lhe mostrava algo melhor; e como era respeitoso com os deuses sem superstição, para que assim te surpreendas, como a ele, a última hora com boa consciência.”
“Não deves considerar apenas isso: que a cada dia se gasta a vida e nos sobra uma parte menor dela. Mas deves refletir também que, se uma pessoa prolonga sua existência, não está claro se sua inteligência será igualmente capaz, mais a frente, para a compreensão das coisas e da teoria que tende ao conhecimento das coisas divinas e humanas.
Porque, no caso dessa pessoa começar a caducar, a respiração, a nutrição, a imaginação, os instintos e todas as demais funções semelhantes não lhe faltarão. No entanto, a faculdade de dispor de si mesmo, de calibrar com exatidão o número dos deveres, de analisar as aparências, de deter-se a refletir sobre se já chegou o momento de abandonar essa vida e quantas necessidades de características semelhantes precisarem um exercício exaustivo da razão, tudo isso se extinguirá antes.
Convém, pois, apressar-te não somente porque a cada instante estamos mais perto da morte, mas também porque cessa com antecedência a compreensão das coisas e a capacidade de nos acomodarmos a elas.“
“Não consumas a parte da vida que te resta fazendo conjecturas sobre outras pessoas, a não ser que teu objetivo aponte para o bem comum; porque certamente te privas de outra tarefa. Ao querer saber, ao imaginar o que faz fulano e por que, e o que pensa e o que trama e tantas coisas semelhantes que provocam teu raciocínio, tu te afastas da observação do teu guia interior.
Convém, consequentemente, que, no encadear das tuas ideias, evites admitir o que é fruto do azar e supérfluo, mas muito mais o inútil e pernicioso. Deves também acostumar-te a ter unicamente aquelas ideias sobre as quais, se te perguntassem de súbito “em que pensas agora?”, com franqueza pudesses responder no mesmo instante “nisso e naquilo”, de maneira que no mesmo instante se manifestasse que tudo em ti é simples, benévolo e próprio de um ser isento de toda cobiça, inveja, receio ou qualquer outra paixão, da qual pudesses envergonhar-te ao reconhecer que a possui em teu pensamento.
E, raramente, a não ser por uma grande necessidade e tendo em vista o bem comum, cogita o que a outra pessoa diz, faz ou pensa.”
“Se no percurso da vida humana encontras um bem superior à justiça, à verdade, à moderação, à valentia e, em suma, a tua inteligência que se basta a si mesma, naquelas coisas nas quais te facilita agir de acordo com a reta razão, e de acordo com o destino das coisas repartidas sem seleção prévia; se percebes, digo, um bem de maior valor que esse, dirige-te a ele com toda a alma e desfruta do bem supremo que descobriste.
Mas se nada melhor aparece que a própria divindade que em ti habita, que o haver submetido a seu domínio os instintos particulares, que vigia as ideias e que, como dizia Sócrates, tenha se desapegado das paixões sensuais, que tenha se submetido à autoridade dos deuses e que, preferencialmente, se preocupa com os homens; se encontras todo o restante como menor e vil, não dá lugar a nenhuma outra coisa, porque uma vez arrastado e inclinado a ela, já não serás capaz de estimar preferencialmente e de contínuo aquele bem que te é próprio e te pertence.
Porque não é lícito opor ao bem da razão e da convivência outro bem de distinto gênero, como, por exemplo, o elogio da multidão, dos cargos públicos, da riqueza ou do gozo de prazeres. Todas essas coisas, ainda que pareçam momentaneamente harmonizar com nossa natureza, prontamente se impõem e nos desviam. Portanto, reitero: escolha simples e livremente o melhor e persevere nisso.”
“Nunca estimes como útil para ti o que um dia te forçará a transgredir tua fé, a renunciar ao pudor, a odiar alguém, a mostrar-te receoso, a maldizer, a fingir, a desejar algo que precisa de paredes e cortinas. Porque a pessoa que prefere, diante de tudo, sua própria razão, sua divindade e os ritos do culto devido à excelência desta, não se presta a espetáculos, não se lamenta, não precisará de solidão e nem de aglomerações de pessoas. E o que é mais importante: viverá sem perseguir nem fugir.
Tanto se for maior o tempo que viverá o corpo unido à alma, quanto se for menor, não lhe importa em absoluto, porque ainda no caso de precisar se desprender dele, irá tão resolutamente como se fosse empreender qualquer outra das tarefas que podem ser executadas com discrição e decoro; tratando de evitar, durante toda a vida, somente isso: que seu pensamento se comporte de maneira imprópria de um ser dotado de inteligência e sociável.“
“No pensamento do homem que se disciplinou e se purificou profundamente, nada purulento, nem manchado, nem mal cicatrizado poderias encontrar. E o destino não arrebata sua vida incompleta, como se poderia afirmar do ator que se retirasse da cena antes de ter finalizado seu papel e concluído a obra. É mais, nada escravo há nele, nenhuma afetação, nada acrescentado, nem dissociado, nada submetido a redenção de contas nem necessitado de esconderijo”
“Abandona, pois, todo o restante e conserve somente uns poucos preceitos. E, além disso, lembra que cada um vive exclusivamente o presente, o instante fugaz. O restante, ou se viveu ou é incerto. Insignificante é, portanto, a vida de cada um, e insignificante também o cantinho da terra onde vives. Pequena é assim a fama póstuma, inclusive a mais prolongada, e esta se dá por meio de uma sucessão de homenzinhos que logo morrerão, que nem sequer conhecem a si mesmos, nem tampouco ao que morreu há tempos.”
“Se executares a tarefa presente seguindo a reta razão, diligentemente, com firmeza, com benevolência e sem nenhuma preocupação alheia, antes, vele pela pureza de teu deus, como se já fosse preciso restituí-lo. E, além disso, se nada esperas nem evitas, mas te conformas com a atividade presente conforme a natureza e com a verdade heroica em tudo o que digas e comentes, viverás feliz. E ninguém será capaz de te impedir.”
“Portanto, se o restante é comum aos seres mencionados, resta, como peculiar do homem bom, amar e abraçar o que lhe sobrevém e se entrelaça com ele, e o não confundir nem perturbar jamais a Deus, que tem a morada dentro de seu peito com múltiplas imagens, mas antes, velar para que se conserve propício, submisso, disciplinadamente a Ele, sem mencionar uma palavra contrária à verdade, sem fazer nada contrário à justiça.
E se todos os homens desconfiam desse homem bom, de que vive com simplicidade, modéstia e bom humor, nem por isso ele se aborrece com ninguém, nem se desvia do caminho traçado que o leva ao fim de sua vida, objetivo ao qual deve encaminhar-se, puro, tranquilo, livre, sem violências e em harmonia com seu próprio destino.“
“As pessoas buscam retiros no campo, na costa e no monte. Tu também tens o costume de desejar tais retiros. Mas tudo isso é do mais vulgar, porque podes, no momento em que queiras, retirar-te em ti mesmo. Em nenhuma parte o homem se retira com maior tranquilidade e mais calma que em sua própria alma. Sobretudo aquele que possui em seu interior tais bens, que, ao se inclinar a eles, de imediato consegue uma tranquilidade total. E denomino tranquilidade única e exclusivamente à boa ordem. Concede-te, pois, sem pausa, esse retiro e recupera-te.”
Acaso te arrastará a vanglória? Dirige teu olhar à profundidade com que se esquece tudo e ao abismo do tempo infinito por ambos os lados, à veracidade do eco, à versatilidade e irreflexão dos que dão a impressão de elogiar-te, à amargura do lugar em que se circunscreve a glória. Porque a terra inteira é um ponto, e quanto ocupa o nosso cantinho que habitamos nela? E ali, quantos e que classe de homens elogiar-te-ão? Considera que resta-te, pois, o refúgio que se encontra nesse pequeno campo de ti mesmo.
E, acima de tudo, não te atormentes nem te esforces demasiadamente; antes, seja um homem livre e olha as coisas como varão, como homem, como cidadão, como ser mortal. E entre as máximas que terás à mão e às quais te inclinará, estejam presentes essas duas: uma, que as coisas não alcançam a alma, mas se encontram fora dela, desprovidas de temor, e as perturbações surgem da única opinião interior. E a segunda, que todas essas coisas que estás vendo, logo se transformarão e já não existirão. Pensa também, constantemente, de quantas transformações tu mesmo já fostes testemunha“
“Não consideres as coisas tal como as julga o homem insolente ou como quer que as julgues. Mas antes, examina-as tal como são em realidade“
“É preciso ter sempre preparadas essas duas disposições: uma, a de executar exclusivamente aquilo que a razão de tua faculdade real e legislativa te sugira para favorecer os homens; outra, a de mudar de atitude, caso apareça alguém que te corrija e que te faça desistir de alguma das tuas opiniões. Entretanto, é preciso que essa nova orientação tenha sempre sua origem em certa convicção de justiça ou de interesse à comunidade e as motivações devem ter exclusivamente tais características, não o que pareça agradável ou popular“
“Não ajas na ideia de que viverás dez mil anos. A necessidade inevitável paira sobre ti. Enquanto vives, enquanto é possível, sê virtuoso.”
“Quanto tempo livre ganha o que não olha o que o outro disse, fez ou pensou, mas exclusivamente o que ele mesmo faz, a fim de que sua ação seja justa, santa ou inteiramente boa. Não dirijas o olhar à escuridão, mas corre direto para a linha de chegada, sem se desviar”
“Além do mais, tudo o que é belo, seja o que for, belo é por si mesmo, e em si mesmo completo, sem considerar o elogio como parte de si mesmo. Em consequência, o referido objeto nem se torna pior nem melhor. Afirmo isso, inclusive, tratando-se das coisas que comumente são denominadas belas, como, por exemplo, os objetos materiais e os objetos fabricados.
O que, em verdade, é realmente belo de que tens necessidade? Nada mais que a lei, a verdade, a benevolência ou o pudor. Qual dessas coisas é bela pelo fato de ser elogiada o se destrói por ser criticada? A esmeralda se deteriora porque não a elogiam? E o que dizer do ouro, do marfim, da púrpura, da lira, do punhal, da flor, do arbusto?“
“Viste aquilo? Vê também isso. Não te espantes. Mostra-te simples. Erra alguém? Erra consigo mesmo. Aconteceu algo contigo? Está bem. Tudo o que te sucede estava determinado pelo conjunto desde o princípio e estava tramado. Em resumo, breve é a vida. Devemos aproveitar o presente com bom juízo e justiça. Sê sóbrio ao relaxar-te.”
“Assim, examine sempre as coisas humanas como efêmeras e carentes de valor: ontem, germe; amanhã, múmia ou cinza. Portanto, percorra este pequeno lapso de tempo obediente à natureza e termine tua vida alegremente, como a azeitona que, madura, caísse elogiando a terra que lhe deu vida e dando graças à árvore que a produziu.”
“Ser igual ao rochedo contra o qual, sem interrupção, se quebram as ondas. Este se mantém firme, e em torno dele adormece a espuma da onda. “Sou infeliz, porque isso me aconteceu”. Mas não, ao contrário: “Sou feliz, porque, devido ao que me ocorreu, persisto até o fim sem aflição, nem perturbado com o presente nem assustado com o futuro”. Porque algo semelhante poderia acontecer a todo mundo, mas nem todo mundo poderia seguir até o fim, sem aflição, depois disso. Lembra-te, a partir de agora, em todo acontecimento que te induza à aflição, de utilizar este princípio: não é isso um infortúnio, mas uma felicidade suportá-lo com dignidade.“
“Ao amanhecer, quando de má vontade e de forma preguiçosa te despertas, recorra a este pensamento: “desperto para cumprir uma tarefa própria de homem”. Irei, pois, continuar insatisfeito, se me encaminho para fazer aquela tarefa que justifica minha existência e para a qual nasci? Ou, por acaso, nasci para me esquentar, reclinado entre pequenos cobertores? “Mas isso é mais agradável”. Nasci, pois, para desfrutar? E, em resumo, nasci para a passividade ou para a atividade? Não vês que os arbustos, os pássaros, as formigas, as aranhas, as abelhas, cumprem sua função própria, contribuindo por sua conta para a ordem do mundo? E tu, então, te recusas a fazer o que é próprio do homem?”
“Não podem admirar tua perspicácia”. Está bem. Mas existem outras muitas qualidades sobre as quais não podes dizer: “não tenho dons naturais”. Procura-te, pois, aquelas que estão inteiramente em tuas mãos: a integridade, a gravidade, a resistência ao esforço, o desprezo aos prazeres, a resignação frente ao destino, a necessidade de poucas coisas, a benevolência, a liberdade, a simplicidade, a austeridade, a magnanimidade”
“A ninguém acontece nada que não possa, por sua natureza, suportar. A outro lhe acontece o mesmo e, seja por ignorância do ocorrido, seja por ostentar magnanimidade, mantém-se firme e resiste sem dano.”
“Reflita repetidamente sobre a rapidez de trânsito e afastamento dos seres existentes e dos acontecimentos. Porque a substância é como um rio em incessante fluir, as atividades estão mudando continuamente e as causas sofrem inúmeras alterações. Quase nada persiste e muito perto está este abismo infinito do passado e do futuro, no qual tudo desaparece. Como, pois, não estará louco o que nessas circunstancias se orgulha, se desespera ou se queixa por ter sofrido alguma dor por certo tempo e inclusive longo tempo?”
“Comete outro, uma falta contra mim? Ele verá. Tem sua peculiar disposição, seu peculiar modo de agir. Tenho eu agora o que a comum natureza quer que tenha agora, e faço o que minha natureza quer que agora faça”
“Conviver com os deuses”. E convive com os deuses aquele que constantemente lhes demonstra que sua alma está satisfeita com a parte que lhe foi destinada, e faz tudo quanto quer o gênio divino, que, na qualidade de protetor e guia, fração de si mesmo, designou Zeus a cada um. E esta divindade é a inteligência e razão de cada um.
“Como tens se comportado até a data com os deuses, com teus pais, teus irmãos, tua mulher, teus filhos, teus Mestres, teus preceptores, teus amigos, teus familiares, teus criados? Acaso no trato com todos até agora podes aplicar: “nem fazer mal a ninguém nem dizê-lo”. Lembra-te de que também por quais lugares passaste e que cansaço foste capaz de aguentar; e, mesmo assim, que a história de tua vida já está completa e teu serviço cumprido; e quantas coisa belas viste, quantos prazeres e dores desdenhaste, quantas ambições de glória ignoraste; com quantos insensatos te comportaste com deferência”
“Dentro de pouco, cinza e esqueleto, e ou bem um nome ou nem sequer um nome; e o nome, um ruído e um eco. E inclusive as coisas mais estimadas na vida são vazias, podres, pequenas, cães que se mordem, crianças que amam a briga, que riem e em seguida choram. Pois a confiança, o pudor, a justiça e a verdade, “ao Olimpo, longe da terra de largos caminhos”.
O que é, pois, o que ainda te detém aqui, se as coisas sensíveis são mutáveis e instáveis, se os sentidos são cegos e susceptíveis de receber facilmente falsas impressões, e o mesmo hálito vital é uma exalação do sangue, e a boa reputação entre gente assim algo vazio? O que, então? Aguardarás benévolo tua extinção ou teu traslado? Mas, quando se apresenta aquela oportunidade, o que basta? E que outra coisa senão venerar e bendizer aos deuses, fazer bem aos homens, lhes dar suporte e abster-se? E em relação a quanto se encontra dentro dos limites de tua carne e hálito vital, lembra-te de que isso nem é teu e nem depende de ti.”
“A substância do conjunto universal é dócil e maleável. E a razão que a governa não tem em si nenhum motivo para fazer mal, pois não tem maldade, e nem faz mal algum nem nada recebe mal daquela. Tudo se origina e chega a seu fim de acordo com ela”
“Seja indiferente para ti passar frio ou calor, se cumpres com teu dever, passar a noite em vigia ou saciar-te de dormir, ser criticado ou elogiado, morrer ou fazer outra coisa. Pois uma das ações da vida é também aquela pela qual morremos. Assim, basta também para este ato dispor bem o presente”
“Sempre que te vejas obrigado pelas circunstancias a sentir-te confuso, retorne a ti mesmo rapidamente e não te desvies fora de teu ritmo mais do que o necessário. Pois serás mais dono da harmonia graças a teu contínuo retomá-la.”
“Se tivesses simultaneamente uma madrasta e uma mãe, atenderias àquela, mas, contudo, as visitas a tua mãe seriam contínuas. Isso tu tens agora: o palácio e a filosofia. Assim, pois, retorne frequentemente a ela e nela repouse; graças a esta, as coisas de lá te parecem suportáveis e tu és suportável entre eles“
“Assim, é preciso agir ao longo da vida inteira, e quando as coisas te derem a impressão de serem dignas de crédito em excesso, analise-as e observe seu nulo valor, e despoje-as da ficção, pela qual se vangloriam. Pois o orgulho é um terrível enganador da razão, e quando pensas ocupar-te principalmente das coisas sérias, então, ainda assim, te enganas”
“Coloque sempre seu empenho em chegar a ser algumas coisas, em outras coloque seu afã em persistir, mas uma parte do que chega a ser já se extinguiu. Fluxos e alterações renovam incessantemente o mundo, assim como o passo ininterrupto do tempo proporciona sempre nova a eternidade infinita. Em meio a esse rio, sobre o qual não é possível deter-se, que coisa entre as que passam correndo poderiam ser estimadas?
Como se alguém começasse a se apaixonar pelas aves que voam ao nosso redor, e logo desaparecem diante de nossos olhos. Tal é de certa forma a vida de cada um, como a exalação do sangue e a inspiração do ar. Pois, assim como o inspirar uma vez o ar e expulsá lo, coisa que fazemos a cada momento, também é devolver ali, de onde retiraste pela primeira vez, toda a faculdade respiratória, que tu adquiriste ontem ou anteontem, recém chegado ao mundo.“
“Não penses, se algo te resulta difícil e doloroso, que isso seja impossível para o homem; antes bem, se algo é possível e natural ao homem, pense que também está ao teu alcance“
“Nos exercícios dos ginásios, alguém nos arranhou com suas unhas e nos feriu com uma cabeçada. Entretanto, nem o colocamos de manifesto, nem nos incomodamos, nem suspeitamos mais tarde dele como conspirador. Mas sim, certamente, nos colocamos em guarda, mas não como se fosse um inimigo, nem com receio, mas esquivando-o benevolamente. Algo parecido ocorre nas demais conjunturas da vida. Deixemos de lado muitos receios mútuos dos que nos exercitamos como nos ginásios. Porque é possível, como dizia, evitá-los sem mostrar receio nem aversão.“
“Se alguém pode refutar-me e provar de modo conclusivo que penso ou procedo incorretamente, de bom grado mudarei minha forma de agir. Pois persigo a verdade, que nunca prejudicou ninguém; ao contrario, sim se prejudica o que persiste em seu próprio engano e ignorância”
“Se alguém te faz a pergunta de como se escreve o nome de Antonino, não soletrarias cada uma de suas letras? E no caso de que se aborrecessem, replicarias tu também te aborrecendo? Não seguirias enumerando tranquilamente cada uma das letras? Da mesma forma, também aqui, considere que todo dever se cumpre mediante certos cálculos. É preciso olhá-los com atenção sem perturbar-se nem incomodar-se com os que se incomodam, e cumprir metodicamente o proposto.”
“Quão cruel é não permitir aos homens que dirijam seus impulsos ao que lhes parece apropriado e conveniente! E o certo é que, de algum modo, não estás de acordo em que façam isso, sempre que te aborreces com eles por suas falhas. Porque se mostram absolutamente arrastados ao que consideram apropriado e conveniente para si. “Mas não é assim”. Consequentemente, esclareça-os e demonstre a eles, mas sem irritar-se.”
“Sou um composto de alma e corpo. Portanto, para o corpo tudo é indiferente, pois não é capaz de distinguir; mas ao espírito lhe são indiferentes quantas atividades não lhe são próprias, e, em troca, quantas atividades lhe são próprias, todas elas estão sob seu domínio. E, apesar disso, somente a atividade presente lhe preocupa, pois suas atividades futuras e passadas lhe são também, desde este momento, indiferentes”
“Quem viu o presente, tudo viu: a saber, quantas coisas surgiram desde a eternidade e quantas coisas permanecerão até o infinito. Pois tudo tem uma mesma origem e um mesmo aspecto. “
“Sempre que queiras alegrar-te, pense nos méritos dos que vivem contigo, por exemplo, a energia no trabalho de um, a discrição de outro, a liberalidade de um terceiro e qualquer outra qualidade de outro. Porque nada produz tanta satisfação como os exemplos das virtudes, ao manifestarem-se no caráter dos que vivem conosco e ao serem agrupadas na medida do possível. Por essa razão devem ser tidas sempre à mão.”
“O que é a maldade? É o que tens visto muitas vezes. E a propósito de tudo o que acontece, tenhas presente que isso é o que tens visto muitas vezes. Em resumo, de baixo para cima, encontrarás as mesmas coisas, das que estão cheias as histórias, as antigas, as médias e as contemporâneas, das quais estão cheias agora as cidades e as casas. Nada novo; tudo é habitual e efêmero.“
“É preciso seguir, palavra por palavra, o que se diz, e, em todo impulso, seu resultado; e, no segundo caso, ver diretamente a que objetivo aponta a tentativa; e no primeiro, velar por seu significado”
“Minha inteligência é suficiente para isso ou não? Se é suficiente, sirvo-me dela para esta ação como se fosse um instrumento concedido pela natureza do conjunto universal. Mas se não me basta, cedo a obra a quem seja capaz de cumpri-la melhor, a não ser, por outra lado, que isso seja de minha incumbência, ou bem coloco as mãos à obra como possa, com a colaboração da pessoa capaz de fazer, com a ajuda do meu guia interior, o que nesse momento é oportuno e benéfico à comunidade. Porque o que estou fazendo por mim mesmo, ou em colaboração com outro, deve tender, exclusivamente, ao benefício e à boa harmonia com a comunidade.”
“Próprio do homem é amar inclusive os que tropeçam. E isso se consegue quando pensas que são teus familiares e que pecam por ignorância e contra sua vontades e que, dentro de pouco tempo, ambos estarão mortos e que, ante tudo, não te prejudicou, posto que não fez o teu guia interior pior do que era antes.“
“Cada vez que alguém cometa uma falta contra ti, medite sobre que conceito do mal ou do bem tinha ao cometer dita falta. Porque, uma vez que tenhas examinado isso, terás compaixão dele e nem te surpreenderás, nem te irritarás com ele. Já que compreenderás tu também o mesmo conceito do bem que ele, ou outro similar. Em consequência, é preciso que lhe perdoemos. Mas ainda se não chegues a compartilhar com seu conceito do bem e do mal, serás mais facilmente benévolo com seu extravio”
“Apague a imaginação. Detenha o impulso de marionete. Circunscreva-te ao momento presente. Compreenda o que te acontece ou a outro. Divida e separe o objeto dado em seu aspecto causal e material. Pense em tua hora posterior. A falta cometida por aquele, deixe-a ali onde se originou.”
“Faça resplandecer em ti a simplicidade, o pudor e a indiferença no relativo ao que é intermediário entre a virtude e o vício. Ame o gênero humano. Siga a Deus”
“Sobre a morte: ou dispersão, se existem átomos; ou extinção ou mudança, se existe unidade”
“E a aquele pensamento que, cheio de grandeza, alcança a contemplação de todo tempo e de toda essência, crês que lhe parece grande coisa a vida humana? Impossível, disse. Então, tampouco tal homem considerará terrível a morte? De forma alguma.“
“Preste atenção e seja teu único desejo ser bom em tudo o que faças. E tenha presente estas máximas: o que importa são os atos, não os resultados.”
“Cave em teu interior. Dentro se encontra a fonte do bem, e é uma fonte capaz de brotar continuamente, se não deixas de escavar”
“Em qualquer caso de dor, reflita: não é indecoroso nem tampouco deteriorará a inteligência que me governa; pois não a destrói, nem no aspecto racional, nem no aspecto social. Nas maiores dores, entretanto, lembra-te da máxima de Epicuro: nem é insuportável a dor, nem eterna, se te lembras de teus limites e não imaginas além da conta. Lembra-te também de que muitas coisas, que são o mesmo que a dor, nos incomodam e não percebemos, assim, por exemplo, a sonolência, o calor exagerado, a inaptidão. Depois, sempre que te aborreças com alguma dessas coisas, diga para ti mesmo: cedi à dor.“
“A perfeição moral consiste nisso: em passar cada dia como se fosse o último, sem convulsões, sem entorpecimentos, sem hipocrisias”
“Quando tenhas feito um favor e outro o tenha recebido, que terceira coisa ainda continuas buscando, como os ignorantes?“
“Não te é possível ler. Mas sim podes conter tua arrogância; podes estar acima do prazer e da dor; podes menosprezar a vanglória; podes não irritar-te com insensatos e desgraçados, inclusive mais, podes preocupar-te com eles.”
“O arrependimento é certa censura pessoal por ter deixado de fazer algo útil. E o bem deve ser algo útil e deve preocupar-se com ele o homem íntegro. Pois nenhum homem íntegro se arrependeria por ter desdenhado um prazer; por consequência, o prazer nem é útil nem é bom.”
“Considere que trocar de critério e obedecer a quem te corrige é igualmente uma ação livre. Pois tua atividade termina de acordo com teu instinto e juízo e, particularmente, além disso, de acordo com tua própria inteligência.”
“Se depende de ti, por que não o fazes? Mas se depende de outro, a quem censuras? Aos átomos ou aos deuses? Em ambos os casos é loucura. A ninguém deves repreender. Porque, se podes, corrija-lhe, se não podes, corrija ao menos sua ação. E se tampouco isso é possível, de que adianta irritar-te? Porque nada deve ser feito por acaso.”
“Faço algo? O faço considerando o benefício aos homens. Acontece algo a mim? O aceito oferecendo-o aos deuses e à fonte de tudo, da qual emanam todos os acontecimentos.”
“A felicidade do homem consiste em fazer o que é próprio do homem. E é próprio do homem o trato benevolente com seus semelhantes, o menosprezo dos movimentos dos sentidos, o discernir as ideias que inspiram crédito, a contemplação da natureza do conjunto universal e das coisas que se produzem de acordo com ela.”
“A dor, ou é um mal para o corpo, e em consequência que a manifeste, ou para a alma. Mas a ela lhe é possível conservar sua própria serenidade e calma, e não opinar que a dor seja um mal. Porque todo juízo, instinto, desejo e aversão estão dentro, e nada se remonta até aqui.”
“Apague as imaginações dizendo a ti mesmo continuamente: “agora de mim depende que não se instale nessa alma nenhuma perversidade, nem desejo, nem, em resumo, nenhuma perturbação; entretanto, contemplando todas as coisas tal como são, sirvo-me de cada uma delas de acordo com seu mérito”
“Tu de alguma maneira te excluíste da união com a natureza, pois dela formavas parte por natureza. Mas agora tu mesmo te separaste. Entretanto, tão admirável é aquela, que te é possível unir-te de novo a ela. A nenhum outro membro permitiu Deus separar-se e desgarrar-se, para reunir-se de novo. Mas examine a bondade com a qual Deus honrou o homem. Pois em suas mãos deixou a possibilidade de não separar-se absolutamente do conjunto universal e, uma vez separado, a de reunir-se, combinar-se em um todo e recobrar a posição de membro.”
“A nenhum homem pode acontecer algo que não seja natural do humano, nem a um boi que não seja próprio do boi, nem a uma videira algo que não seja próprio da videira, nem a uma pedra o que não seja próprio da pedra. Depois se a cada um lhe acontece o que é habitual e natural, por que te incomodarás? Porque nada insuportável te infligiu a natureza comum.”
“Se te afliges por alguma causa externa, não é ela o que te importuna, mas o juízo que fazes dela. E depende de ti apagar esse juízo. Mas se te aflige algo que se encontra em tua disposição, quem te impede de retificar teu critério? E de igual modo, se te aflige por não executar essa ação que te parece sã, por que não a colocas em prática em vez de afligir-te? “Mas o obstáculo é maior que eu”. Não te aflijas, pois, dado que não é tua a culpa de que não o executes. “Mas não mereço viver se não o executo”. Vá, pois, da vida tranquilamente, da maneira que more o que cumpre sua missão, indulgente com os que te colocam obstáculos”
“Nem sejas negligente em tuas ações, nem dificultes tuas conversações, nem em tuas imaginações andes sem rumo, nem, em resumo, pressiones tua alma ou te disperses, nem no transcurso da vida estejas excessivamente ocupado. Matam-te, despedaçam, perseguem com maldições. Que importa isso para que teu pensamento permaneça puro, prudente, sensato, justo? Como se alguém ao passar junto a uma fonte cristalina e doce, e insultasse; nem por isso deixa de brotar potável. Ainda que se jogue barro, esterco, rapidamente os dispersará, se libertará deles e de nenhum modo ficará manchada. Como, pois, conseguirás ter uma fonte perene, e não um simples poço? Caminhe em todo momento à liberdade com benevolência, simplicidade e modéstia”
“O que não sabe o que é o mundo, não sabe onde está. E o que não sabe para que nasceu, tampouco sabe quem é ele nem o que é o mundo. E o que esqueceu uma só dessas coisas, tampouco poderia dizer para que nasceu. Quem, pois, parece-te que é o que o elogio dos que aplaudem, os quais nem conhecem onde estão, nem quem são?”
“Para minha faculdade de decisão é tão indiferente a faculdade decisória do vizinho com seu hálito vital e sua carne. Porque, apesar de que especialmente nascemos uns para os outros, contudo, nosso individual guia interior tem sua própria soberania. Pois, em outro caso, a maldade do vizinho iria se certamente um mal meu, coisa que Deus não estimou oportuna, a fim de que não dependesse de outro o tornar-me feliz.”
“Quem transgride a lei, fere a si mesmo; quem comete uma injustiça, comete contra si mesmo, e a si mesmo se torna mau”
“Possuir comportamento íntegro, conter o instinto, apagar o desejo, conservar em ti o guia interior”
“Não te esforce como um desventurado, nem como quem quer ser compadecido ou admirado; que antes seja teu único desejo agir de acordo com justiça em função do Todo.”
“A perda não é outra coisa que uma transformação. E nisso se regozija a natureza do conjunto universal. Segundo ela, tudo acontece para a eternidade. Sempre aconteceu e continuará acontecendo até o infinito. Por que, então, dizes que todas as coisas se produziram mau?”
“Depois de merecer tais epítetos: bom, reservado, veraz, prudente, resignado, magnânimo, procura não trocar nunca de nome, e, se perderes ditos nomes, empreende um resgate a toda pressa. E tenha presente que o termo “prudente” significa em ti a atenção para captar cabalmente cada coisa e a ausência de negligência; o termo “resignado”, a voluntária aceitação do que atribui a natureza comum; “magnânimo”, a supremacia do espírito sobre as convulsões suaves ou violentas da carne, sobre a vangloria, a morte e todas as coisas desta índole.
Portanto, se aposse destes nomes, sem desejar ser chamado assim por outros, serás diferente e entrarás em uma vida nova. Porque, continuar sendo o que foste até agora, e em uma vida como esta, ser desgarrado e impuro é muito próprio de um ser insensato, apegado à vida e semelhante aos gladiadores devoradores que, coberto de feridas e de sangue misturado com pó, apesar disso, suplicam que os deixem viver para o dia seguinte, a fim de serem jogados no mesmo estado às mesmas garras e mordidas das feras.
Busca, pois, a obtenção destes poucos nomes. E se consegues permanecer neles, fica onde estás , como transportado a umas ilhas dos bem-aventurados. Mas se fracassas e percebes que não os possuis, busca impetuosamente algum retiro onde possa reconquistar De outra feita, sai de vez da vida, não enfurecido, mas simples, livre e modestamente, tendo feito ao menos uma boa coisa na tua existência: essa partida. Para jamais esqueceres essas virtudes, será muito útil a lembrança dos deuses, que não gostam que os bajulem, mas sim, que os imitem os seres racionais. Assim, que a figueira se conduza como figueira, o cão como cão, o homem como homem.“
“Adquire um método para contemplar como todas as coisas se transformam umas nas outras; e sem cessar, aplica e exercita a filosofia, já que nenhuma outra eleva a alma. Quem se dedica como quem se despiu de seu corpo, considerando que dentre e breve deverá abandonar todas estas coisas e afastar-se dos homens, entrega-se inteiramente à justiça nas atividades que dependem dele, e à natureza do conjunto universal. O que se dirá dele, ou o que se imaginará, ou o que se fará contra ele, não o preocupa, pois só estas duas coisas busca: fazer com retidão o que atualmente lhe compete e amar a parte que agora lhe atribuída, renunciando a toda atividade e afã. E não quer outra coisa que não seja cumprir com retidão segundo a lei e seguir a Deus que se movimenta pelo reto caminho”
“Que necessidade de receios, quando te é possível examinar o que deves fazer? Caso veja em o rumo, caminha por este caminho tranquilamente e sem desvios ou receios. Mas, caso contrário, detenha e recorre aos mais sábios; e acaso outras diversas travas criem obstáculos à missão a que te conduz, segue adiante segundo os recursos ao teu alcance, tendo presente em teus cálculos o que te parece justo. Porque o melhor é alcançar este objetivo, e o contrário é causa de todos os males. Tranquilo e entretanto resoluto, alegre e entretanto sério é aquele que segue sempre a razão.”
“Esta reflexão farás perto da morte, e te despedirás deste mundo com ânimo bastante mais plácido se te fizer essas considerações: “Deixo uma vida na qual até meus concidadãos, por quem tanto trabalhei, tantos votos fiz, tantos cuidados passei, chegam a desejar a minha ausência, esperando que dela lhes venha algum proveito”. Então, qual motivo me faz demorar mais aqui? Mas não por isso deves ser menos benevolente com eles; antes bem, conserva teu próprio caráter: amistoso, benévolo, favorável, e não, ao contrário, como se fosse arrancado daqui, mas sim, do mesmo modo que em uma boa morte a alma se desprende facilmente do corpo, assim também deves preparar-te tua viagem daqui. Porque foi com eles que a natureza te uniu. “Mas agora te separa deles”. Separo-me de meus íntimos sem oferecer resistência, sem violência. Porque também isto é um dos fatos conforme à natureza.”
“Em toda ação feita por qualquer um, acostume- te, na medida de tuas possibilidades, a perguntar-te: “Com que finalidade realiza essa ação?”. Mas começa primeiro contigo mesmo. Examina primeiro as tuas ações”
“Realizei algo útil à comunidade? Ou só a mim mesmo servi? Sempre reflita sobre estas duas ideias para te ajudar a perseverar no bem”
“Um ramo que se separa do seu vizinho, também se separa da árvore inteira. De igual modo, um homem, ao ficar separado de um homem, ficou excluído da humanidade inteira. Em efeito, um ramo é arrancado por alguém, enquanto o homem se separa ele mesmo de seu vizinho quando lhe odeia e sente aversão, e não se dar conta de que se afastou ao mesmo tempo da sociedade inteira”
“Aqueles que são obstáculos à tua reta razão não poderão te impedir de agir, nem te induzir a desviar-te da prática do bem. Pelo contrário, mantém-te firme em relação a ambas as coisas : não só mantendo-se inabalável na firmeza de teus juízos e atos, como também na mansidão com os que tentam te pôr dificuldades, ou te incomodam. Porque é também sinal de debilidade zangar-se com eles, e de igual modo o ceder e acovardar, pois aquele que se amedronta e o que renega seus naturais parentes e amigos, são ambos desertores.”
“Porque quem não for indiferente às coisas sem importância, quem se deixar levar pelas aparências, quem for precipitado ou leviano em seus julgamentos, não pode ser considerado justo”
“Não são as coisas que te perturbam com temor e cobiça que te buscam, mas és tu que as buscas. Se com serenidade contemplares, também essas coisas se tranqüilizarão, e não serás mais atormentado pelo temor e a cobiça”
“Dizer a alguém: “resolvi ser franco contigo” é uma corrupção, pura hipocrisia. Que fazes, homem? Para que esse preâmbulo? Pelas provas será comprovado, sem necessidade de palavras. Na tua fronte está inscrita o que dizes, pois é coisa de tal natureza que transparece nos olhos, no simples olhar. O home bom e virtuoso é percebido assim que se aproxima, quer queira ou não. Mas a afetação da simplicidade é uma arma de duplo fio. Nada é mais abominável que a amizade do lobo. Acima de tudo evita isso. O homem bom, singelo e benévolo tem estas qualidades nos olhos e não as ocultam.”
“Principalmente devemos guardamo-nos, sem cessar, de quatro separações do guia interior; e quando as descobrir, deves apartá-las falando com cada uma delas nestes termos: “Esta ideia não é necessária, esta é degradante da sociedade, esta outra que vais manifestar não surge de ti mesmo”. Porque manifestar o que não provém de ti mesmo, considera-o entre as coisas mais absurdas. E a quarta separação, pela que reprovarás a ti mesmo, consiste em que a parte mais divina que se acha em ti, esteja submetida e inclinada à parte menos valiosa e mortal, a de teu corpo e de teus rudes prazeres”
“Ao beijar teu filho, dizia Epíteto, deve dizer-te: “Amanhã talvez morra.” “Isso é mau presságio”. “Nenhum mau presságio, respondeu, a não ser a constatação de um fato natural, ou também é mau presságio ter segado as espigas.”
“Todos os objetivos que desejas alcançar em teu progresso, podes já os ter se não prejudicar a ti mesmo. Quer dizer: caso abandones todo o passado, deposita na providência o futuro e cuida apenas do presente, segundo as regras da piedade e da justiça, exclusivamente. Para a piedade, que ame o destino que te foi atribuído, pois a natureza te proporcionava isso e foste escolhido para isto. Para a justiça, diz a verdade livremente e sem artifícios e faça as coisas conforme à lei e de acordo com a importância das coisas, não te permitindo deter pela malícia alheia nem pela opinião ou discursos de quem quer que seja, tampouco pelos apelos das sensações do corpo que te aprisiona.“
“Deus vê as almas em sua pureza, livres de todos seus envoltórios materiais, de suas cascas e de suas impurezas; porque graças a sua inteligência exclusiva, tem contato só com as coisas que derivaram e emanaram dele, desde o princípio. E se também te acostumas a fazer isso, diminuirás muito os teus anseios. Pois o que não se dedica em atender o envoltório de carne que lhe circunda, não perderá tempo contemplando vestidos, casa, fama, ou outros adornos supérfluos”
“Muitas vezes me perguntei, com admiração, como cada um leva mais em consideração a opinião dos outros do que a de si mesma. E, por exemplo, se um Deus ou um sábio mestre ordenasse a alguém que refletisse o seu interior e traduzisse em palavras tudo quanto concebesse ou pensasse, nem sequer um só dia aguentaria, tanto prezamos mais pela opinião dos outros do a nossa.”
“Grande é o homem que cuida de não fazer o que vai contra a divindade, e aceitar tudo o que Deus lhe atribua. Isso é estar em harmonia com a natureza!”
“Não deves te queixar dos deuses; porque nenhuma falta cometem voluntária ou involuntariamente. Tampouco se queixar dos homens, porque não falham voluntariamente. Dessa maneira, a ninguém deves te queixar.“
“Ou uma necessidade do destino e uma ordem inviolável, ou uma providência compassiva, ou um caos fortuito, sem direção. Se, pois, trata-se de uma necessidade inviolável, a que oferece resistência? E se uma providência que aceita ser compassiva, faça a ti mesmo merecedor do socorro divino. E se um caos sem guia, conforma- te, porque em meio de um fluxo de tal índole dispõe em seu interior de uma inteligência guia. Embora o fluxo te arraste, arraste tua carne, teu sopro vital, e o resto, porque não arrastará tua inteligência.”
“Se algo não é justo, não o faz; se não for verdade, não o diga; provenha de ti este impulso“
“Em breve ninguém estará mais em nenhuma parte, nem tampouco verás nenhuma dessas coisas que agora estás vendo, nem nenhuma dessas pessoas que na atualidade vivem. Porque todas as coisas nasceram para transformar-se, alterar-se e destruir-se, a fim de que nasçam outras a seguir”
“Sempre que te incomodares com algo, estás esquecendo que tudo se produz de acordo com a natureza do conjunto universal, e também que a falta é alheia a esse conjunto. Além disso, que tudo o que está acontecendo, assim sempre acontecia e acontecerá, agora e em qualquer parte. O homem se liga a todo gênero humano não pelo sangue ou pelo nascimento, mas pela comunhão da inteligência. E esqueces deste modo que a inteligência de cada um é um deus e emana da divindade. Que nada é patrimônio particular de ninguém; antes bem, que filhos, corpo e também a mesma alma vieram de Deus. Esqueces também que tudo é opinião; que cada um vive unicamente o momento presente, e isso é o que se perde.“
“A salvação da vida consiste em ver inteiramente o que é cada coisa em si mesma, qual é sua matéria e qual é sua causa. Em praticar a justiça com toda a alma e em dizer a verdade. O que fica então a não ser desfrutar da vida, travando uma boa ação com outra, até o ponto de não deixar entre elas o mínimo intervalo?“
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