Vivemos num mundo de dualidades. Alto e baixo, claro e escuro, quente e frio, rápido e lento, direita e esquerda são alguns exemplos dos milhares de polos opostos com que convivemos. Para que um polo exista, é necessário que o outro exista também. É possível haver um lado direito sem que haja um lado esquerdo? Sem chance.
Porém, nós recusamos a natureza paradoxal da realidade e achamos que podemos funcionar fora dela. Se fizermos isso, convertemos o paradoxo em oposição. Quando o lazer é arrancado do trabalho, por exemplo, ambos são prejudicados.
O sofrimento pessoal começa quando somos crucificados ao ficarmos presos a somente um do par de opostos. Porém, ambos os pares precisam ser igualmente honrados.
Se aceitarmos esses elementos opostos e abraçá-los a colisão entre eles, nós abraçamos o paradoxo. A capacidade de viver em paradoxo é um sinal de desenvolvimento espiritual e força. Avançar da oposição (que está sempre em conflito) para o paradoxo (que é o lugar do sagrado) é realizar um salto de consciência.
É um exercício valioso fazer uma lista dos opostos que enfrentamos e então tentar restaurá-los ao reino do paradoxo. Podemos começar com esses dois pares de valores logo abaixo: As atividades práticas que realizamos todo dia e as instruções religiosas que nos são dadas.
Os valores práticos nos ensinam várias coisas: Vencer é bom, ter um salário bom é incrível, comer e ter relações sexuais também, que são as ações que nos permitem conquistar coisas, que as posses nos dão segurança, que ser decisivo e determinado nos faz faz ser produtivos e confiáveis e que uma consciência afiada é um bom antídoto para não nos perdermos em sonhos e fantasias.
Porém e os outros valores religiosos, não são igualmente importantes?
Somos ensinados que é melhor dar do que receber, somos ensinados a não julgar, para praticar o celibato ou evitar exageros e má conduta sexual, somos ensinados a obedecer a Lei e a autoridade.
Mas que contradição! Como viver assim? Todos nós vivemos nessa contradição, mesmo que não sejamos pessoas religiosas. Essa é a realidade. Vivemos em um mundo dual.
Toda a grande virtude nesse mundo só é valida por existir o seu oposto. A luz não existiria sem a escuridão, o masculino não existiria sem o feminino. A verdade sempre vem em pares, e a pessoa tem que aguentar isso se quiser estar de acordo com a realidade.
É justamente essa contradição que causa o nosso sofrimento! O que fazer com ela? Se começarmos a fazer algo, começamos a sentir culpa por não estar de acordo com o outro oposto. Se fazemos algo que gostamos, começamos a nos sentir culpados por não estar de acordo com certos valores religiosos, por exemplo. Se ficarmos presos a ideias religiosos, podemos sofrer por não estarmos fazendo o que realmente queríamos fazer.
Para continuarmos explorando esse assunto, é importantíssimo entendermos sobre o verdadeiro significado da palavra religião.
O Verdadeiro significado da palavra religião
Estamos usando a palavra religião da maneira errada. A palavra religião é vem de raízes latinas. “Re” significa de novo e “ligare” significa ligar, combinar. A palavra religião significa algo como ligar-se novamente ou unir novamente – portanto, nunca pode estar fixada em somente um do par de opostos.
É justamente isso que causa todo o sofrimento neurótico da humanidade – pensar que um conjunto de ações são sagradas e outras são profanas é um uso equivocado da linguagem. Não existe algo como um ato religioso ou lista de características puramente religiosas. Só pode haver uma visão religiosa que constrói uma ponte ou cura.
É isso que restaura e reconcilia os opostos que nos torturam. A faculdade religiosa é a arte de pegar os opostos separados e combiná-los de volta, curando a separação que causava sofrimento. Isso nos faz transcender a contradição – a dolorosa posição onde coisas contradizem umas as outras e ir ao reino do paradoxo, onde somos capazes de entreter simultaneamente duas noções opostas (que se contradizem), dando a elas uma igual dignidade e importância.
“A marca de uma mente instruída é a capacidade de entreter uma ideia sem aceitá-la”
Aristóteles
A habilidade de enxergar o mundo de uma forma neutra, de avaliar diferentes valores, sem necessariamente adotá-los, talvez seja uma das maiores habilidades que você possa conquistar.
Somente assim, há a possibilidade de paz e graça – passamos da contradição a um todo coerente, uma unidade que transcende os polos isolados. Focar somente em um do par de opostos é um erro. É no reino da síntese que se encontra a paz. Precisamos restaurar o significado original da palavra religião – só assim ela terá um poder curativo, de integração e de nos fazer inteiros de novo.
Transferir essa energia da oposição ao paradoxo é um grande salto na evolução. Se engajar na oposição, em somente em um dos extremos, é gerar uma grande quantidade de frustração interna. A oposição só nos drena energia. Transformar a oposição em paradoxo é permitir dois lados de um assunto, ambos os pares de opostos, existirem em igual dignidade valor.
Isso requer nada mais do que pegar as duas listas de valores (como os que eu citei acima) e ao invés de entrar em um estado neurótico de oposição realmente entender que podemos permanecer do caminho do meio.
O Caminho do Meio é um conceito budista milenar. Nele, o indivíduo encontra total equilíbrio e controle sobre seus impulsos e comportamentos diariamente.
Uma lenda budista diz que ele concluiu que é necessário exercitar o Caminho do Meio após desmaiar de fome ao realizar um rigoroso jejum e ter voltado a consciência após ser alimentado com uma tigela de mingau por uma camponesa caridosa que passava por ali no momento. Após meditar sobre este fato, Siddhartha percebeu que o controle exorbitante e excessivo é tão ruim e ineficaz em termos espirituais quanto a excessiva licenciosidade, e optou por seguir um caminho intermediário entre ambos.
“A mensagem do Buda era simples, mas profunda. Nem uma vida de autoindulgência nem de auto mortificação podem trazer a felicidade. Apenas um caminho do meio, evitando esses dois extremos, leva à paz de espírito, sabedoria e liberação completa das insatisfações da vida”
Henepola Guranatana
Vivendo de maneira correta o Caminho do Meio, é possível ter o discernimento de quando e como utilizar dos meios e benefícios materiais, assim como usufruirmos de nossa vida espiritual, encontrando equilíbrio e controle sobre os aspectos da vida.
Não há luz sem a escuridão
Isso é um conceito muito importante de entendermos para o nosso desenvolvimento espiritual. Frequentemente, as pessoas acham que o caminho espiritual é somente focado no positivo, nos nossos talentos, na luz, em querer somente sentir emoções positivas, recitar afirmações positivas etc.
Porém, o nosso maior potencial de crescimento, ironicamente, se encontra na nossa sombra (as partes reprimidas, que não aceitamos de nossa personalidade, nossas fraquezas ). Não devemos ignorá-la, fingindo que ela não existe (que é o que a maioria das pessoas fazem). É tudo uma questão de equilíbrio. Não foque somente no positivo e não fique focado somente na escuridão. Ambas são de igual importância.
O paradoxo tem tudo a ver com a nossa sombra. Não há como ter o paradoxo, o sublime lugar da reconciliação, até que a pessoa tenha integrado a própria sombra e feito dela algo digno e valioso. Ganhar a sua própria sombra é preparar o chão para a experiência religiosa.
Lembre-se: “Ligare” é o coração da experiência religiosa, que é unir, combinar, religar, de achar aquilo que é anterior a separação.
Portanto, nunca se esqueça que o caminho do meio é a chave para a paz e completude interior! Não viva uma vida de extremos!
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