“O escândalo do Universo não é o sofrimento, mas a liberdade” – George Bernanos
“O problema do mal não é senão, em grande parte, o problema da liberdade” – Nikolai Berdiaev
Todas as informações abaixo foram retiradas do livro “É Razoável Crer” de Alfonso Aguiló. Selecionei algumas partes em que o autor comenta sobre o problema do mal e sobre a resposta cristã para a solução desse problema.
O Enigma da Maldade e do Sofrimento
Como Deus seria bom e onipotente se permite que injustiças ocorram? Se contassemos com a onipotência de Deus não fariamos melhor do que Ele. Um pai que anulasse a liberdade do filho para impedí-lo de cometer qualquer ação má não seria um bom pai.
Nesse tipo de raciocinio, que diz que coisas más acontecem no mundo e que portanto Deus não deve existir ou deve ser cruel, o raciocinio é o seguinte: Deus é cruel, portanto Deus não existe. Não compreendo por que Deus permite isso, portanto Deus não existe. Não me agrada que aconteça isso, portanto Deus não existe.
A atitude mais sensata é procurar compreender por que Deus, sendo infinitamente bom, permite que exista o mal.
Nos os homens temos a possibilidade de usar bem ou mal a nossa liberdade. Mas quem é responsável por essa decisão somos nós, não Deus. Podemos usar dessa liberdade para nos opor ao nosso Criador.
Deus poderia ter criado o mundo de outra maneira, fazendo com que todos fôssemos bons e ninguém tivesse a possibilidade de fazer o mal. Porém, isso seria pouco compatível com a liberdade humana. Se o homem é um ser livre, é preciso contar com a possibilidade de que faça um mau uso dessa liberdade e que, portanto, existam o mal e o pecado no mundo.
Se você excluir toda a possibilidade de mal e sofrimento, verá que acabou por excluir a própria liberdade.
Apesar de tudo, os homens virtuosos são muito felizes, ainda na terra, do que os maus e depravados. Aquele que se afasta da moral, obtém, talvez, uma satisfação imediata, mas é sempre um felicidade efêmera, construida sobre o egoísmo e que vai, pouco a pouco, lavrando asua própria ruína. Uma ruína que não virá somente na outra vida, mas já nesta também.
A felicidade reside no coração e está sempre ligada ao bem.
O vício introduz sempre um transtorno na harmonia do homem, ainda que no começo possa parecer inócuo. O vício escraviza a razão e a vontade.
É verdade que as claudicações morais podem proporcionar prazer, dinheiro, poder, ou muitas outras coisas. Mas o preço humana que se tem que pegar na própria carne é sempre muito alto. Quando deixamos o mal penetrar na alma, o que ele nos concede já não nos pertence, pois somos escravos daquilo que nos entregamos.
Muita gente parece ter sido educada na ideia de que tudo o que acontece de mau no mundo é culpa dos outros. E dirigem-se a Deus como juízes e censuram-no por todo o mal que os homens fazem. Ao invés de se dirigirem a Deus para pedir-lhe perdão pelos seus próprios erros, increpam-no duramente ou, quando muito, queixam-se de que tenha criado um mundo tão injusto.
A bondade humana é resultado do livre esforço de quem, podendo ser mal, não o é. E Deus deu ao homem um infinito potencial de bondade, mas também lhe respeitou a liberdade.
Mudar é o primeiro de nossos deveres. Se Deus nos tivesse feito incapazes de ser maus, já não seriamos bons, pois seriamos marionetes obrigadas a ser boas.
O verdadeiro mal provém do interior do homem, de um cisão que tem a sua origem no pecado.
Quanto mais acentuada for o sentido de responsabilidade de uma pessoa, tanto menos buscará desculpas e tanto mais examinará a si mesma, sem absurdos complexos de culpa, para melhorar ela própria e ajudar a melhorar os que a rodeiam.
Deus podia ter criado uma humanidade de individuos que só fossem capazes de fazer o bem. Mas, ao invés de um conjunto de imbecis bondosos, preferiu criar um mundo de homens livres que, pelo exercício dessa liberdade, pudessem fazer o mal e o bem.
Não podemos fugir da liberdade. A solução é que procuremos ser melhores e, de passagem, que procuremos ajudar os outros a sê-lo também. Que cada qual pense fundamentalmente em ser melhor e em tornar melhores as pessoas do seu próprio ambiente.
Deus é necessariamente bom (do contrário não seria Deus) e portanto teve de criar um mundo bom.
A situação presente do mundo, marcada pelo mal, deve ser entendido como resultado de uma queda, de uma ferida, de uma corrupção que invadiu o mundo criado. E teve de ser o homem quem, como ser livre, introduziu o mal na criação. A Criação, tal como saiu das mãos de Deus, era íntegra e estava destinada a integridade. Tudo o que agora a desfigura estava ausente na harmonia original do mundo e é precisamente o resultado da degradação introduzida como consequência do mau uso que o homem fez da liberdade.
Partindo da existência de um Deus infinitamente bom e da evidente existencia do mal, o pecado original é a única solução lógica para o enigma do mal.
Todo os homens participam da culpa de Adão. A Igreja afirma que todo o gênero humano é em Adão como o corpo único de um único homem e que, por essa unidade do gênero humano, todos os homens estão implicados no pecado de Adão, assim como a todos os homens se estende a salvação trazida por Cristo.
“Por causa da desobediência a Deus de uma só pessoa, muitos se tornaram pecadores. Mas, por causa da obediência de uma só pessoa a Deus, muitos serão declarados justos.” Romanos 5:19
Se Deus é onipotente e bom, como haveria o mal? Teodiceia (como conciliar a existência de um Deus bom com a existência do mal
Há uma ideia que pode contribuir para entender melhor este mistério. Se existe uma inteligência divina, que ordena o Universo e é onipotente, esse Deus não permitiria o mal se não fosse extrair desses males, reais ou aparentes, grandes bens.
Não sabemos se um mal que nos aconteceu não acabou nos livrando de um mal ainda pior (nesse caso seria uma benção disfarçada). Podemos tirar conclusões precipitadas e achar que se trata de um ato de crueldade de Deus.
A vida é misteriosa, quantas vezes, ao fechar-se uma porta, que parecia a ideal, não se abre outra ainda melhor.
A dor sempre tem alguma coisa a dizer-nos. “A verdadeira dor, essa que nos faz sofrer profundamente, torna, por vezes, sério e constante até o homem irreflexivo; mesmo os pobres de espírito se tornam mais inteligentes depois de uma grande dor” disse Dostoiévsky. O sofrimento une as pessoas, abre-as a compaixão e leva-as a perguntar pelas causas das coisas. Torna-as mais compreensivas, mais sensíveis ao sofrimento e a solidão dos outros. É talvez um dos principais ingredientes do amadurecimento afetivo das pessoas. Por isso, dizia Tommaseo, que o homem que não foi educado pela sor será sempre uma criança.
A dor pode levar a uma triste revolta as pessoas que não querem aceitá-la, mas é sempre uma oportunidade que temos de crescer interiormente.
O sofrimento, as inquietções e as aflições que Deus permite que nos cheguem pode ser uma excelente advertência acerca da precariedade da vida na terra, um aviso que nos lmebre que não devemos confiar nas fontes passageiras de felicidade.
A vida de todos os homens tem algumas coisas boas e outras menos boas. O que não podemos pretender é que, por termos fé, a nossa tenha de ser como um lago tranquilo, ou garantir-nos a felicidade de um conto de fadas ou de um perpétuo descanso físico, psiquico e afetivo. Não podemos pretender que os problemas tenham que desaparecer por si sós pelo mero fato de acreditarmos em Deus. É verdade que a fé nos ajuda a enfrentar essas situações e a estar alegres, mas não as faz desaparecer. As pessoas que têm fé não deixam de ser pessoas normais.
Por que o mal? Por que o mal no mundo?
Na antiguidade era comum pensar que o sofrimento se abatia sobre o homem como consequência das suas más ações, como castigo pelo pecado pessoal. Mas a mensagem cristã afirma que o sofrimento não é castigo, mas uma realidade que decorre do mal, e que este é inseparavel da liberdade humana e, por ela, do pecado original, do pano de fundo pecaminoso das ações pessoais da história do homem.
No sofrimento está como contida uma chamada particular para que se pratique a virtude, para que se persevere em suportar o que incomoda e causa dor. Se ganha consciência disso, o homem faz brotar a esperança, que o mantém na convicção de que o sofrimento não o derrubará. Não há duvida de que o sofrimento abre o caminho para a transformação de uma alma.
A dor é uma escola em que os corações dos homens se formam na misericórdia.
A explicação cristã sobre o problema do mal tem os seus pontos de difícil compreensão, como sempre acontece com as realidades complexas. Mas as outras explicações, que tentam resolver o problema negando a Deus ou falando do absurdo da vida, são totalmente absurdas, sempre levando a angustia permanente e a morte. Só a revelação cristã rompe esse círculo, transformando-o numa historia dotada de sentido, na qual Deus está presente e guia os homens para a salvação
O Enigma da Morte
O homem não pode reter a sua vida. A vida é uma hemorragia. A vida vai-se. Para onde? Para o vazio? Para o nada? É inevitável que o homem se interrogue sobre a questao da vida após a morte.
Se tudo acabasse com a morte, seria dificil encontrarmos sentido até para o esforço de sermos boas pessoas.
Ao invés de verem a morte como o buraco negro fatal que engole toda a vida humana e a aniquila num fim dramatico de tudo, vê-la-iam como o nascimento para uma nova vida. A alma vive para sempre e renasce.
Os sábios de todas as épocas aconselharam a meditar sobre a morte, para descobrir o seu sentido oculto e assim alcançar uma paz profunda, sem a qual é impossível a felicidade. Fugir do tema, brincar de esconde esconde consigo mesmo, não é uma atitude muito digna e menos ainda em assunto capital.
Umas das questões com que Platão mais se preocupou foi o destino do homem após a morte. Estava convencido de que o mal que se pratica deixa na alma uma cicatriz patente ao olhar insubornável do Juiz, de que os culpados ainda capazes de ser curados são levados por um certo tempo a um lugar de purificação e que, ao contrário, os incapazes de ser curados sofrerão castigo eterno. Por isso afirmava que a morte situa as pessoas na verdadeira realidade. A consciência da morte nos faz dar valor a coisas que antes não davamos importância.
Pessoas que não se colocam a sério as questões fundamentais da existencia e possuem um desprezo pelas grandes perguntas da humanidade. Nós somos cheios de banalidades. “O Homem que não percebe o drama do seu próprio fim não está dentro da normalidade, mas da patologia, e teria que se estender na maca e deixar-se curar.” – Carl Jung
Há pessoas para quem a morte acaba com tudo. É como se fôssemos um simples nome no Registro Civil, de que basta dar baixa e pronto. Ou um simples pacote de músculos e ossos, que depois apodrecem e pronto. Ou um CPF de que também se dá baixa depois de se terem pago os impostos, e pronto. Mas a única coisa certa é que a morte acaba com o corpo. Desmorona-se todo o edifício biológico, é verdade, o que era carne converte-se em pó e cinzas, sem dúvida. Mas a pessoa não acaba aí. Se a pessoa tem corpo e alma, por trás da morte tem de haver um destino para a alma, que, por ser espiritual e, portanto, não ter partes, não está sujeita a decomposição.
Muitas pessoas negam a existência da alma espiritual, dizendo que a inteligência humana não passa de um processo cerebral, e que não precisa de explicações espirituais.
A inteligência humana não é uma mera função do cérebro. O fato de a inteligência não atuar sem a colaboraçao dos sentidos, que têm a sua sede no cérebro, não significa identificar o cérebro e inteligência.
E por que a alma humana tem de ser espiritual? Nenhum efeito pode ser maior que a sua causa. Se o homem é capaz de ter pensamentos abstratos, a sua alma tem de ser espiritual. Se a mente humana é capaz de produzir ideias imateriais, a alma tem de ser imaterial, isto é, tem de ser espírito.
Na base das decisões livres encontramos processos bioquímicos, mas a liberdade e a inteligência não parecem ser processos bioquímicos, nem efeitos da bioquímica. Reduzir a vida humana a um processo bioquímico extraordinariamente complexo significa negar a existência da liberdade humana.
Se eu não vejo algo, aquela coisa não existe?
O que se consegue recolher com as redes da ciência experimental não é toda a realidade. São muitas as ocasiões em que acreditamos em coisas que não vemos, e acreditamos porque observamos os seus efeitos. Você não vê a eletricidade, mas vê as suas consequências, não vê o calor, mas sente-o, não vê as bacterias nem os vírus, mas nota os seus efeitos, não vê a alma, mas há muitas razões que o fazem admitir a sua existência.
Negar a existência do que não é diretamente perceptível pelos sentidos é negar a existência da parte mais importante da realidade.
Na mente humana dao-se duas forças contrapostas. Por um lado, a sensação de que no homem há alguma coisa a mais do que o conjunto de vísceras que compõem o seu corpo. Por outro, a recusa inicial dos sentidos em admitir a existência de coisas que não podem ver, medir, ouvir, cheirar ou tocar. Não é fácil demonstrar aos sentidos que a alma existe, mas não são eles que decidem se algo existe ou não.
Pensar na morte não tem por que ser uma loucura ou uma morbidez. Incita a procurar um sentido para a existência. Como escreveu Sêneca, é necessária uma vida inteira para aprender a viver e, o que é ainda mais estranho, é necessária uma vida inteira para aprender a morrer. Pensar na morte obriga as pessoas a meditar sobre a sua conduta diária.
Deus é infinitamente misericordioso, mas também é infinitamente justo. E a justiça exige que as almas sejam julgadas de acordo com a forma que escolheram para viver esta vida. Quando alguém se condena, é sempre por culpa própria, condena-se porque se empenha, escondendo-se por trás de múltiplas desculpas e justificativs, em não agarras essa mão que Deus lhe estende. Não é tanto Deus que rejeita o homem, mas o homem que rejeita a Deus.
Deus não predestina ninguém para o inferno. Deus nos dá muitas chances de escolhermos, nos oferece a mão o tempo todo.
Em última anáise, haverá um Juízo, no qual se ferpa justiça, e isso pode gerar um sadio sentimento de intranquilidade que nos faça avaliar o que fazemos de bom ou de meu, que nos leve a ser consciente de que temos de apresentar-nos perante um tribinal. Isso não é uma mensagem de ameaça, mas uma chamada a responsabilidade.
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