O ser humano busca o alimento não só para saciar sua fome física, mas também, saciar um tipo de fome emocional, afetiva, um desconforto interno cujo preenchimento se dá, simbolicamente, através do consumo de alimentos.
Podemos dizer que há um alivio temporário, do desprazer subjetivo que o comer traz, mas a repetição deste comportamento poderá acarretar um círculo- vicioso: alimenta-se para preencher um vazio, sente-se um prazer momentâneo, recrimina-se por consumir uma alimentação em demasia e, a conseqüência é: o indesejado aumento de peso e, o desprazer retorna em busca de nova satisfação oral configurando-se em um circulo vicioso.
A obesidade é um tema complexo por envolver várias questões: genética, ambiental, psicológica, orgânica, cultural. Assim sendo, a restrição da alimentação, em conjunto ou não com a atividade física, poderá trazer resultado próximo ao almejado pelo sujeito.
Porém, a ansiedade e angustia, se não trabalhados, possivelmente far-se-ão presentes, pois o conteúdo de sofrimento calado durante a história de vida, não elaborado, poderá ressurgir. Neste caso, a satisfação, prazer, através da oralidade, terá espaço para retornar.
É freqüente o excesso de peso se apresentar de forma crônica, promovendo constante insatisfação com o corpo, dificuldade no “controle de calorias consumidas”, cobranças de emagrecimento, cobranças próprias e sociais que se somam à preocupação com os prejuízos e cuidados com a saúde… Elementos que se agravam e acabam repercutindo como uma problemática crescente e atual no campo da saúde pública.
Por isso, a importância de reflexões sobre a prática clínica no que se refere à importância do olhar sobre os aspectos subjetivos do sujeito obeso visando ampliar a compreensão de seu funcionamento psíquico e seus conflitos internos. Neste momento não abordaremos as questões de controle de peso pelo vômito (bulimia) e nem a ausência de alimentação (anorexia).
O obeso pode beliscar o dia todo e fazer as refeições em família, comendo muito, embora com alguma moderação. Mas, há momentos em que devora, em pouco tempo, muitos alimentos, um momento de crise, quando dificilmente consegue parar antes do alimento acabar ou de se sentir organicamente desconfortável.
O impulso leva a comer qualquer coisa, independente do tipo de comida a qual não precisa apresentar-se gostosa ou saborosa, apenas o ato de comer predomina.
As vivências retratam um comer sozinho, escondido da família, a qual costuma cobrar o cumprimento de uma dieta. A compulsão alimentar é entendida pela psicanálise como um sintoma obsessivo onde sujeito precisa transformar seus pensamentos em atos – ato compulsivo – que ele não consegue impedir, é submetido a uma dinâmica imperativa.
Trata-se de uma modalidade de agir caracterizada pela repetição, já que o alvo da ação não é jamais alcançado. Daí a sua repetição incansável, sem variações e modulações, que assume o caráter de imperativo, isto é, impõem-se ao psiquismo sem que o Eu possa deliberar sobre o impulso: a compulsão por comer constitui uma forma de evitar a angústia que paradoxalmente produz um sofrimento, ou ainda, um ato que se funde ao Eu e cobra seu preço na moeda da angústia.
A angustia e a ansiedade ameaçam o sujeito com o mal estar e sofrimento interno, onde predominantemente ocorre a busca para aliviar-se ou entreter-se de alguma forma utilizando o alimento como válvula de escape. A aderência à satisfação oral se mostra aliviadora e difícil de contornar.
Considerando o sintoma não somente em sua função de substituição, mas sobretudo sob a perspectiva dessa exigência de satisfação que se renova repetidamente, podemos articular o sintoma a uma economia de gozo que se instaura na compulsão por comer, cuja regulação é dependente da operação do simbólico.
A partir daí vale verificar a possibilidade de pensar freudianamente a ampliação da noção de sintoma como o que ao mesmo tempo substitui o recalcado e articula o real da angústia. Reflexão necessária para pensar as formas de intervenções possíveis junto aos pacientes obesos na clínica contemporânea.
Temos tendência a buscar respostas e confortos para nossos problemas fora de nós mesmos e acabamos nos distanciando de nossas questões afetivas e vivências traumáticas não elaboradas. Nesse sentido, é necessário pensar cuidadosamente o quê o paciente demanda quando busca um tratamento para emagrecer ou quando não veicula em seu discurso uma abertura em que possa surgir um questionamento sobre o seu sofrimento.
Isso é fundamental para pensar a possibilidade do tratamento psicanalítico com esses pacientes, pois não se trata de emagrecer o obeso e adequá- lo ao Índice de Massa Corporal (IMC) desejável, mas de sustentar a demanda “[…[ para que reapareçam os significantes em que sua frustração está retida” (Lacan, 1998, p. 624).
As camadas de gordura do sujeito podem contar uma história. Muitos casos de obesidade iniciam em momentos de crises e sofrimento ao longo da historia de vida do sujeito, sendo importante trabalhar estes conteúdos recalcados de sofrimentos não elaborados… Processar, elaborar para que haja possibilidade de outras formas de lidar e aliviar a angústia, resistindo ao prazer da satisfação oral.
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