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Sobre a Brevidade da Vida (Sêneca)

Tempo de leitura: 18 min

Escrito por Davi Klein
em maio 2, 2021

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O livro “Sobre a Brevidade da Vida” de Sêneca traz reflexões acerca da principal reclamação dos seres humanos: que a vida ser muito curta. Dizemos que a vida é muito curta, que a natureza é cruel conosco, que temos pouco tempo de vida. Mas na verdade, o que Sêneca nos mostra é que a vida é longa o bastante e que não é tanto o fato de que tenhamos pouco tempo a viver e sim que fazemos nossa vida ser curta ao gastarmos grande parte dela.

A maior parte dos mortais, Paulino, queixa-se da malignidade da natureza, porque somos gerados para uma curta existência, porque esse espaço de tempo que nos é dado transcorre tão veloz, tão rápido, que, com exceção de bem poucos, os demais a vida os deixa exatamente nos preparativos para a vida.

Não dispomos de pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido passar, sentimos que já passou.

É assim que acontece: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos; dela não somos carentes, mas pródigos. Tal como amplos e magníficos recursos, quando vêm para um mau detentor, são dissipados num instante, ao passo que, por mais modestos que sejam, se entregues a um bom guardião, crescem pelo uso que se faz deles, assim também a nossa existência é bastante extensa para quem dela bem dispõe

“Você não deve achar que um homem viveu bastante pelo fato dele ter cabelo branco e rugas, ele não viveu muito somente existiu por muito tempo.”

Senêca

Nós vivemos apenas uma pequena parte de nossas vidas. Quanto de seu tempo foi consumido por outras pessoas ou por obrigações sociais? Você deu a sua vida a obrigações sociais apenas? O quanto você perdeu por tristeza infundada? Alegrias breves? Ganância insaciável? Seduções da sociedade?

Nós vamos de um prazer ao outro e não conseguimos permanecer firmes em um desejo. Sêneca diz:

“Perdemos o dia esperando pela noite, e perdemos a noite pelo medo do amanhecer, não importa a quantidade de tempo que nos seja dada se não há nenhum lugar que ele possa se estabelecer”

E pelo fato de estarmos tão ocupados, isso faz com que nunca olhemos o nosso passado, pois se fizéssemos isso, não seria nada agradável se relembrar das atividades das quais somos envergonhados por termos gastado tanto tempo. Por conta disso, só seguimos sempre em frente e não aprendemos lições passadas. Sêneca diz:

“Viver a vida é a atividade menos importante do homem ocupado”

Outra forma de gastar a vida é deixar as coisas para depois – uma coisa que todos nós tendemos a fazer. Negamos a nós mesmos o presente, esperando a salvação no futuro, o “futuro promissor”. Por conta disso, passamos a odiar o Agora e perdemos o contato com a vida, que só está disponível e ocorrendo nesse exato momento.

Então, algumas perguntas que você pode começar a se fazer, para saber se realmente está vivendo sua vida, ou se está deixando de viver, são as seguintes:

  • Você vive em expectativas?
  • Qual é sua relação com o momento presente? Você é amigo do momento presente?
  • Você deixa coisas para depois?
  • Você faz coisas que realmente gosta?
  • Você retira tempo para si mesmo? Ou dá de graça o seu recurso mais importante para qualquer um, gastando-o futilmente?

É muito importante que você comece a refletir sobre esses pontos, pois a pior coisa que pode nos acontecer é chegarmos no fim da nossa vida e percebermos que não aproveitamos a dádiva que nos foi dada – que é a nossa vida, que somente existimos, que somente adiamos a nossa vida, que somente a desperdiçamos com futilidades.

Vou deixar aqui embaixo as principais passagens impactantes desse livro, para te auxiliar nessa reflexão!

Frases Sêneca Sobre a Brevidade da Vida

A maior parte dos mortais, Paulino, queixa-se da malignidade da natureza, porque somos gerados para uma curta existência, porque esse espaço de tempo que nos é dado transcorre tão veloz, tão rápido, que, com exceção de bem poucos, os demais a vida os deixa exatamente nos preparativos para a vida.

Não dispomos de pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido passar, sentimos que já passou.

É assim que acontece: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos; dela não somos carentes, mas pródigos. Tal como amplos e magníficos recursos, quando vêm para um mau detentor, são dissipados num instante, ao passo que, por mais modestos que sejam, se entregues a um bom guardião, crescem pelo uso que se faz deles, assim também a nossa existência é bastante extensa para quem dela bem dispõe

Por que nos queixamos da natureza? Ela se revelou benigna: a vida será longa se souberes utilizá-la. No entanto, um é dominado por uma avareza insaciável, outro, por um empenho laborioso em tarefas inúteis um vive impregnado de vinho, outro se entorpece na preguiça; este se vê esgotado por uma ambição sempre dependente de julgamentos alheios; aquele, um desejo irrefreável de comerciar o conduz por todas as terra e todos os mares na esperança de lucro; a cobiça de feitos militares atormenta alguns, sempre empenhados em levar perigo a outros ou inquietos pelo próprio.

Há os que, por voluntária servidão, se consomem na veneração ingrata de seus superiores. Muitos se detiveram na busca da sorte alheia ou na lamentação da sua; a grande maioria, que nada persegue ao certo, foi lançada a novos projetos por sua frivolidade volúvel, inconstante e descontente consigo mesma; a alguns não agrada nenhuma meta para a qual possam direcionar seu percurso, mas o destino os surpreende entorpecidos e bocejantes, de tal modo que eu não duvidaria ser verdadeiro o que no maior dos poetas vem afirmado à maneira de um oráculo: “É diminuta a parte da vida que vivemos”.

Realmente, todo o período restante não é vida, e sim tempo. Por todo lado suas imperfeições os encalçam e circundam e não permitem que se reergam ou que levantem os olhos para discernir a verdade, mas os retêm submersos e fixados nos desejos. Nunca lhes é possível voltar-se para si mesmos. Se alguma vez lhes advém casualmente algum repouso, agitam-se, tal como em alto-mar, onde mesmo depois dos ventos subsiste a turbulência, e jamais se veem desocupados de seus desejos”

“É possível que todos os talentos que alguma vez brilharam nisto concordem unânimes: nunca ficarão estupefatos o bastante diante dessa turvação das mentes humanas. Não toleram que suas propriedades sejam ocupadas por ninguém e, se há uma pequena disputa sobre a medida de seus limites, recorrem a pedras e armas; já em suas vidas consentem que outros se instalem, e até mesmo introduzem eles próprios os que vão ser os possessores dela.

Não se encontra ninguém que queira repartir seu dinheiro; já sua vida, quanto cada um a distribui entre muitos! São mesquinhos na retenção do patrimônio; mas, tão logo se trate de gastar tempo, são extremamente pródigos com a única coisa em relação à qual a avareza é honrosa.

Eu gostaria de abordar uma pessoa dentre as mais idosas da seguinte maneira: “Vemos que tu chegaste a um estágio avançado da vida humana, pesam-te nas costas cem anos ou mais. Vamos, faz o cômputo de tua existência: calcula quanto desse tempo um credor, quanto uma amante, quanto um rei, quanto um cliente te subtraiu, quanto uma desavença conjugal, quanto o castigo dos escravos, quanto o obrigatório ir e vir pela cidade; acrescenta as doenças que nos causamos por nós mesmos, acrescenta também o tempo que se perdeu sem uso: verás que tu tens bem menos anos do que enumeras.

Repassa na memória, sempre que estiveste seguro de uma decisão tua, quão poucos dias decorreram tal como havias planejado, em que momento estiveste disponível para ti, quando tua face manteve expressão normal, quando tua alma se manteve impassível, que obra realizaste em uma vida tão longa, quantas pessoas saquearam tua vida sem que tu percebesses o que perdias, quanto te subtraiu uma tristeza inútil, uma alegria tola, uma cupidez voraz, uma conversa fútil, quão pouco te foi deixado do que era teu. Compreenderás que estavas morrendo prematuramente

“Qual é então a causa disso? Viveis como se sempre havereis de viver, nunca vos ocorreu vossa fragilidade, não observais quanto tempo já transcorreu. Desperdiçais como se de uma fonte plena e abundante, quando, nesse ínterim, exatamente aquele dia que é doado a uma pessoa ou a uma tarefa talvez seja o último.

Tendes medo de tudo como mortais, desejais tudo como imortais. Tu vais ouvir muitos dizendo assim: “A partir dos cinquenta anos vou me retirar, aos sessenta me liberarei de minhas obrigações”. E quem tomas como fiador de uma vida tão longa? Quem irá aceitar que as coisas se passem tal como dispões?

Não te envergonha reservar para ti essas sobras de vida e destinar ao aprimoramento da alma apenas esse tempo que não poderias empregar em mais nada? Quanto é tardio começar a viver só quando é hora de terminar! Que estúpido esquecimento da condição mortal adiar para os cinquenta e os sessenta anos as decisões sensatas, e então querer começar a vida num ponto até o qual poucos chegaram!

Ora, à frente de todos coloco aqueles que não têm tempo para nada, exceto para o vinho e os prazeres, pois ninguém tem ocupação mais torpe. Outros, mesmo quando dominados por uma imagem vã de glória, ao menos se equivocam faustosamente. Ainda que me enumeres homens avarentos ou iracundos, ou os que se obstinam em ódios injustos ou em guerras, todos esses erram com bastante virilidade: é desonrosa a degradação dos que se devotam ao ventre e aos prazeres.”

Acredita-me, é próprio de um grande homem, daquele que está acima dos erros humanos, não permitir que tomem nada de seu tempo, e é por isto que a vida dele é muito longa: porque todo o tempo que lhe esteve disponível foi inteiramente reservado para si.

Dele nada ficou sem uso e ocioso, nada esteve na dependência de outra pessoa, pois ele não encontrou nada que fosse digno de permutar por seu tempo, sendo dele um guardião bastante parcimonioso. Assim, o tempo foi para ele suficiente, mas é forçoso que tenha faltado para aqueles de cuja vida muito foi levado por uma multidão.”

Repito, faz um balanço e confere os dias de tua vida: verás que te sobraram bem poucos e residuais. Há quem, depois de obter a magistratura que cobiçara, anseia por deixá-la, logo dizendo: “Quando é que vai acabar este ano?”. Outro patrocina os espetáculo públicos, que ele muito apreciou lhe terem sido sorteados, e então indaga: “Quando me livra rei disso?”.

Aquele outro é um advogado disputado por todo o foro, e o faz lotar com grande multidão, para além de onde pode ser escutado: “Quando”, diz ele, “é que virá o período de recesso?”. Cada um apressa sua vida e sofre a ânsia do futuro e o tédio do presente. Mas aquele que emprega todo tempo em seu proveito, que dispõe cada dia como se fosse o último, nem anseia pelo dia seguinte nem o teme.

De fato, que novo deleite já lhe poderia trazer uma hora qualquer? Tudo lhe é conhecido, tudo foi por ele experimentado até a saciedade. Do restante a fortuna disponha como quiser: a vida dele já está em segurança. É possível acrescentar-lhe algo, mas nada subtrair, e acrescentar-lhe, assim como a quem já está saciado e cheio, um alimento que ele pega sem desejar.

Então, não há motivo para pensares que alguém longamente só por causa dos cabelos brancos ou das rugas: ele não viveu longo tempo, mas existiu longo tempo. É como se pensasses que navegou muito quem uma terrível tempestade surpreendera na saída do porto, impelindo-o para um lado e outro sob ventos furiosos de diversas direções, e fazendo-o deslocar-se em círculo pelos mesmos lugares. Ele não navegou muito, mas foi muito fustigado.”

“Fico sempre admirado quando vejo alguns solicitarem o tempo de outros e estes, aos quais se solicitou, o concederem muito facilmente. Ambos levam em conta aquilo para o que se solicitou tempo, mas nenhum do dois o próprio tempo: é como se fosse nada o que se solicita, nada o que se concede.

Joga-se com a coisa mais preciosa que existe. Engana-os, porém, o fato de tratar-se de algo incorpóreo, o fato de não ser aparente aos olhos, sendo- -lhe por isso atribuído muito pouco valor, ou mesmo valor quase nulo. As pessoas recebem com muito prazer pensões e auxílios, e nisso colocam seu empenho, atenção ou cuidados; ninguém valoriza o tempo. Usam-no com toda displicência, como se nada valesse.

Mas verás essas mesmas pessoas, quando doentes, cocar os joelhos dos médicos se delas tiver se aproximado um risco iminente de morte, ou dispostas a despender todo seu patrimônio para preservar sua vida se temem uma pena capital, tamanha é a discrepância de seus estados psíquicos.

Mas, se fosse possível expor a cada um, do mesmo modo que a sorna de seus anos passados, igualmente a de seus anos futuros, como ficariam alarmados de ver que lhes teriam restado poucos! Como os poupariam! Ora, é fácil gerir aquilo que, apesar de exíguo, é certo; com mais cuidado se deve conservar o que não se sabe quando irá faltar.”

“Porém, não há razão para pensar que eles ignoram quão precioso é o tempo: costumam dizer àqueles que mais amam que estariam dispostos a lhes dar uma parte de seus anos. Eles dão sem o perceber; dão, contudo, de modo que subtraem de si sem haver incremento para aqueles. Mas o próprio fato dessa subtração ignoram; por isso lhes é tolerável o dano de um prejuízo inaparente.

Ninguém vai restituir os teus anos, ninguém vai devolver-te de novo a ti mesmo. A vida segue a trajetória que iniciou e não retrocede ou detém seu curso. Não fará tumulto nem advertirá sobre sua velocidade: deslizará em silêncio. Ela não se prolongará por ordem de um rei, nem pelo favor do povo; transcorrerá do modo como foi determinada desde seu primeiro dia, não sofrerá nenhum desvio, nenhum retardo.

O que irá acontecer? Tu estás ocupado, a vida se apressa; nesse ínterim, a morre irá chegar, para a qual, querendo ou não, terás de ter tempo.

Pode haver algo mais insensato do que o pensamento de algumas pessoas? Digo aquelas que se jactam de sua prudência. Estão empenhadamente ocupadas para que possam viver melhor; planificam sua vida com dispêndio de vida. Dispõem seus planos num longo prazo.

Ora, mas a maior perda de vida é a protelação: esta nos arranca um dia após o outro, rouba-nos o presente enquanto promete o futuro. O maior obstáculo à vida é a expectativa, que fica na dependência do amanhã e perde o momento presente.

Tu dispões o que está nas mãos da Fortuna, deixas de lado o que está nas tuas. Para onde olhas? Para onde te projetas? Tudo o que há de vir repousa na incerteza. Vive de imediato! Proclama-nos o maior dos poetas, cantando esta fórmula salutar, como que inspirado por lábios divinos: Para os tristes mortais, os melhores dias da vida são sempre os que fogem primeiro. (Virgílio, Ceórgicas 111, 66-7)

“Por que tardas?”, diz ele. “Por que ficas parado? Se não o utilizas, ele escapa.” E, mesmo que o utilizes, ele escapará. Assim, deve-se velozmente lutar contra a rapidez do tempo disponível para nós, e como que logo beber de urna rápida torrente que não há de fluir para sempre. Isso também diz o poeta à perfeição para censurar uma indecisão infinita, pois diz não “as melhores épocas”, e sim “os melhores dias”.

Por que é que, seguro e indolente, em meio a tão intensa fuga do tempo, estendes em uma longa série os teus meses e a nos, do modo que bem pareceu à tua avidez? Ele te fala do dia, e exatamente deste que está em fuga. Há então alguma dúvida de que os melhores dias são os primeiros a fugir para os tristes mortais, isto é, para os ocupados?

Seus espíritos ainda pueris são oprimidos pela velhice, à qual eles chegam desavisados e indefesos. De nada se precaveram: caíram nela de súbito e desprevenidos, sem terem percebido que diariamente ela se aproximava. Assim corno urna conversa, uma leitura ou uma reflexão mais profunda distrai os que estão em viagem, e eles se dão conta de que chegaram antes de ter notado que se aproximavam, assim também este trajeto de nossa vida, contínuo e tão rápido, que percorremos com o mesmo passo, em vigília ou dormindo, não é aparente para as pessoas ocupadas, exceto no fim.

A vida divide-se em três períodos: o que se foi, o que está sendo e o que há de vir. Desses, o que estamos atravessando é breve, o que havemos de atravessar é duvidoso, o que já atravessamos é certo. É este último de fato aquele sobre o qual a fortuna perdeu seu direito, o qual não pode ser reconduzido ao arbítrio de ninguém.

Esse período os ocupados o perdem, pois não lhes sobra tempo para examinar o passado, e, se lhes sobrasse, seria desagradável a recordação de algo que lhes causaria arrependimento. Assim, a contragosto consideram o tempo mal gasto, nem ousam recordar os momentos cujos vícios, mesmo os que serpeavam sob o encanto de algum prazer momentâneo, se mostram pelo reexame.

Ninguém voltará de bom grado seu olhar ao passado, exceto quem submete todos os seus aros à própria censura, que nunca se deixa enganar. Quem avidamente muito cobiçou, desprezou com soberba, venceu com insolência, enganou com insídias, roubou por cupidez, prodigamente dissipou, é forçoso que tema a própria memória. Ora, essa é a parte sagrada e intocável de nosso tempo, posta acima de todos os reveses humanos, subtraída ao reino da Fortuna, e que nem a penúria, nem o medo, nem o ataque de doenças podem atingir.

Ela não pode ser conturbada nem tirada: a posse dela é perpétua e sem receios. Somente um a um os dias se mostram presentes para nós, e ainda fracionados em momentos. Porém, todos os dias do passado, tão logo ordenares, estarão diante de ti, a teu arbítrio irão deixar-se examinar detidamente; isso os ocupados não têm tempo de fazer. É próprio de uma mente segura e tranquila percorrer todos os períodos de sua vida; as almas dos ocupados, como se estivessem atadas sob o jugo, não podem virar-se e olhar para trás.

Portanto, a vida deles desaparece num abismo e, tal como de nada adianta verter líquido até a borda de um recipiente, se embaixo não há fundo que o receba e conserve, assim também não importa quanto tempo nos é concedido, se não há lugar onde ele possa depositar-se, se ele vaza por trincas e perfurações de nossas almas.

É brevíssimo o tempo presente, a ponto mesmo de que para alguns pareça inexistente. Está de fato sempre em curso, flui com rápida vazão, deixa de existir antes de chegar, não admite retardo, é tal qual o universo e os astros, cujo movimento sempre incansável nunca se detém no mesmo ponto. Portanto, aos ocupados diz respeito somente o tempo presente, que é tão breve que não se pode apreendê-lo, e mesmo este é subtraído deles por estarem divididos em muitas atividades.

“Em suma, queres saber quão pouco tempo eles vivem? Olha quanto desejam viver longo tempo. Velhos decrépitos mendigam em suas preces o acréscimo de uns poucos anos. Fingem ser mais novos, lisonjeiam-se com essa mentira e iludem-se tão prazerosamente quanto se junto com eles enganassem o destino.

Porém, já quando alguma enfermidade os advertiu de sua condição mortal, quão apavorados eles morrem, não como se deixassem a vida, mas como se fossem arrancados! Gritam que foram estúpidos por não terem vivido e que, se acaso tiverem escapado daquele estado enfermo, viverão retirados de suas atividades. Então, refletem quão inutilmente amealharam aquilo que não viriam a usufruir, quanto todo seu esforço caiu no vazio.

Mas, para aqueles que levam uma vida longe de qualquer atribulação, por que não seria ela duradoura? Nenhuma parte dela é usurpada, nenhuma é dispersa aqui e ali, nenhuma se perde por negligência, nenhuma é dissipada com largueza, nenhuma é supérflua; toda ela, digamos assim, é rentável. Desse modo, por breve que seja, ela é plenamente suficiente, e por isso, quando vier o último dia, o sábio não hesitará em caminhar para a morte com passo firme.

Brevíssima e demasiado angustiosa é a vida daqueles que se esquecem do passado, negligenciam o presente e temem o futuro. Quando chegam a seus momentos derradeiros , tardiamente compreendem, os infelizes, que por tão longo tempo estiveram ocupados em não fazer nada.

Também não há por que julgar como prova de que vivem longo tempo o fato de às vezes o dia lhes parecer longo, ou de se queixarem de que as horas passam lentamente até a chegada do momento indicado para o jantar. De fato, se alguma vez suas ocupações os abandonam, inquietam-se por terem sido deixados com tempo para si e nem sabem como dispor dele ou gastá-lo. Assim, lançam-se a qualquer ocupação e é enfadonho todo intervalo entre uma e outra.

Da mesma maneira, quando se anunciou a data de uma luta gladiatória, ou quando se espera a que fora marcada para a algum outro espetáculo ou diversão, querem pular os dias que faltam. Para eles, toda demora do evento esperado é longa, mas aquele momento que amam é breve e fugaz e muito mais breve por causa da doença deles: de fato passam de um desejo para outro e não podem deter-se em um único. Os dias, para eles, não são longos, mas detestáveis. Porém, ao contrário, quanto lhes parecem curtas as noites que passam nos braços de prostitutas ou no vinho. “

E por que é que são receosas também suas alegrias? É que elas não se apoiam em motivos sólidos, mas são conturbadas pela mesma inconsistência da qual se originam.

Para inquietudes nunca faltarão motivos, ou felizes ou tristes. A vida irá se arrastar entre as ocupações. O tempo para si nunca será uma realidade, mas sempre um desejo.

Agora, enquanto o sangue está aquecido, os que têm vigor devem avançar para propósitos melhores. Aguarda-te, nesse modo de vida, grande número de belos conhecimentos, o amor e a prática das virtudes, o esquecimento dos desejos, o saber viver e morrer, um estado de profunda paz

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