A maior parte do sofrimento humano é desnecessária. Ele se forma sozinho, enquanto a mente superficial governa a nossa vida.
O sofrimento que sentimos neste exato momento é sempre alguma forma de não aceitação, uma forma de resistência inconsciente ao que é.
Essa resistência ao que é, pode se dar de duas formas:
- No nível do pensamento, a resistência é uma forma de julgamento.
- No nível emocional, ela é uma forma de negatividade.
O sofrimento varia de acordo com o nosso grau de resistência ao momento atual e isso depende do nosso grau de identificação com nossas mentes.
Em outras palavras, quanto mais nos identificamos com nossa mente, mais sofremos e quanto mais respeitamos e aceitamos o Agora, mais nos libertamos da dor, do sofrimento e da mente.
A mente sempre procura escapar e negar o Agora.
Por que a mente tem o hábito de negar ou resistir ao Agora? Porque ela não consegue funcionar e permanecer no controle sem que esteja associada ao tempo, tanto passado quanto futuro, e assim, ela vê o atemporal Agora como algo ameaçador.
Na verdade o tempo e a mente são inseparáveis.
Para ter certeza de que permanece no controle, a mente trabalha o tempo todo para esconder o momento presente com passado e futuro.
Assim, a vitalidade e o infinito potencial do Ser, que é inseparável do Agora, ficam encobertos pelo tempo e nossa verdadeira natureza é obscurecida pela mente.
Toda vez que não respeitamos o Agora, que resistimos ao que é, criamos sofrimento.
O que você tem que fazer então?
Tenha uma profunda consciência de que o momento presente é tudo o que você têm. Faça do Agora o foco principal da sua vida.
Se você antes se fixava no tempo e fazia rápidas visitas ao Agora, inverta essa lógica, fixando-se no Agora e fazendo rápidas visitas ao passado e futuro quando precisar lidar com os aspectos práticos da sua vida.
Diga sempre “Sim” ao momento atual. O que poderia ser mais insensato do que criar uma resistência interior a alguma coisa que já “é”? O que poderia ser mais insensato do que se opor a própria vida, que é agora e sempre agora? Renda-se ao que é.
Desde a antiguidade, mestres espirituais de todas as tradições apontam o Agora como a chave para a dimensão espiritual, a chave para o fim do sofrimento.
No Evangelho temos algumas passagens como:
“Não vos inquieteis pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo” ou “Ninguém que lança mão do arado e olha para trás é apto para o reino de Deus”.
Toda a essência do Zen consiste em estar tão absolutamente presente que nenhum problema, nenhum sofrimento, nada de quem realmente somos em essência, possa permanecer em nós.
O agora é também um ponto central no ensinamento do sufismo, o braço místico do islamismo. Os sufistas tem um ditado “O sufista é filho do momento presente”.
Rumi, o grande poeta do sufismo ensina: Passado e futuro ocultam Deus de nossa vista, ponha fogo em Ambos.
Comece a observar como a mente julga continuamente o comportamento, atribuindo nome as coisas. Entenda como esse processo cria sofrimento e infelicidade.
Ao começarmos a observar o mecanismo da mente, escapamos dos padrões de resistência e permitimos que o momento atual exista.
O que quer que o momento atual contenha, aceite-o como escolha sua. Trabalhe sempre com ele, não contra. Torne-o um amigo e aliado, não seu inimigo. Isso transformará sua vida!
Por isso, nesse artigo, eu quero falar sobre o poder da entrega.
A Entrega é o abandono de qualquer resistência mental e emocional ao que é, ao Agora.
A resistência interior nos isola das outras pessoas, de nós mesmos e do mundo a nossa volta. Toda a resistência interior é vivenciada como negatividade. Toda a negatividade é uma resistência.
A negatividade vai desde uma irritação ou impaciência a uma raiva furiosa, de uma humor deprimido, ressentimento ou desespero suicida.
Já percebeu que nenhuma outra forma de vida no planeta conhece a negatividade? Somente os seres humanos, assim como nenhuma outra forma de vida envenena a Terra que a sustenta.
Você já viu uma flor infeliz ou um carvalho estressado? Já cruzou com um golfinho deprimido, um sapo com problemas de autoestima, um gato que não consegue relaxar, um pássaro com ódio e ressentimento?
Podemos aprender muito apenas observando as plantas e os animais. Aprenda com eles a aceitar aquilo que é e a se entregar ao Agora. Deixe que eles ensinem o que é Ser, o que é integridade e Unidade.
Para muitas pessoas, a palavra entrega tem conotações negativas, como uma derrota, uma desistência, uma incapacidade de se reerguer das ciladas da vida, certa letargia, etc.
A verdadeira entrega, no entanto, é algo completamente diferente. Não significa suportar passivamente uma situação qualquer que aconteça e não fazer nada a respeito, nem deixar de fazer planos ou de ter confiança para começar algo novo.
A entrega é a sabedoria simples mas profunda de nos submetermos e de não nos opormos ao fluxo da vida. O único lugar que podemos sentir o fluxo da vida é no Agora.
Isso significa que se entregar é aceitar o momento presente sem restrições e nenhuma reserva.
É abandonar a resistência interior aquilo que é. A resistência interior acontece quando dizemos não para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de uma negatividade emocional.
A aceitação daquilo que é nos liberta imediatamente da identificação com a mente e nos religa com o Ser. A resistência é a mente, o ego.
A entrega é um fenômeno puramente interior. Isso não quer dizer que não possamos fazer alguma coisa no campo exterior para mudar a situação.
Por exemplo, se você estiver atolado na lama, não tem de dizer: “Está bem, me conformo de estar atolado na lama.” Resignação não significa entrega.
Você não precisa aceitar uma situação indesejável ou desagradável em sua vida, nem precisa se iludir e dizer que não tem nada de errado em estar atolado na lama. Nada disso.
Você tem completa consciência de que deseja sair dali. Então reduz a sua atenção ao momento presente, sem atribuir a situação qualquer rótulo mental. Isso significa que não existe nenhum julgamento do Agora.
Como consequência, não existe nenhuma resistência, nenhuma negatividade emocional. Você aceita a “existência” do momento. A seguir toma uma atitude e faz tudo o que puder para sair da lama.
A entrega, portanto, é perfeitamente compatível com tomar uma atitude, iniciar uma mudança ou atingir objetivos. Mas no estado de entrega, uma energia totalmente diferente flui através de nós. Isso é o que chamamos de ação correta.
Funciona muito melhor do que uma ação negativa, firmada na negatividade, na resistência, na reação.
No estado de entrega, você vê claramente o que precisa ser feito e parte para a ação, fazendo uma coisa de cada vez e se concentrando em uma coisa de cada vez.
O exercício aqui é nos entregarmos a cada instante, a realidade do momento. Sabendo que aquilo que é não pode ser desfeito, porque já é – e dizemos sim aquilo que é ou aceitamos o que não é. Então fazemos o que tem de ser feito o que quer que a situação exija.
Portanto, sempre que sentir a negatividade crescer dentro de você, causada ou não por um fator externo, um pensamento ou nada em particular, olha para ela como um sinal dizendo: “Acorde, largue sua mente e fique presente. Atenção ao Aqui e Agora.”
Se nos submetermos a esse estado de aceitação, deixamos de criar negatividade, sofrimento ou infelicidade. Passamos a viver em um estado de não resistência, um estado de graça e de luz, livre de disputas.
Uma coisa muito importante é: Se você não conseguir aceitar o que está lá fora, aceite então o que está dentro.
Isso quer dizer, não resista ao sofrimento. Permita que ele esteja ali. Entregue-se ao pesar, ao desespero, ao medo, a solidão, ou a qualquer forma que o sofrimento assuma. Abrace o sofrimento.
Veja então, como o milagre da entrega transforma o sofrimento profundo em uma paz profunda. Essa é a sua cruxificação. Permita que ela seja a sua ressurreição e ascenção ao céu.
Portanto, não fuja do sofrimento, enfrente-o. Sinta o completamente, mas não pense a respeito dele, não crie uma história na sua mente a respeito do seu sofrimento, não se identifique com ele! Se você fizer isso, estará alimentando ainda mais o sofrimento.
Fique alerta fique presente, com todo o seu Ser, com cada célula de seu corpo. Ao fazer isso, você está trazendo uma luz para a escuridão. É a chama da sua consciência.
Assim como não se pode lutar com a escuridão, não se pode lutar com o sofrimento. Se você tentar fazer isso, estará criando mais conflito interior e sofrimento adicional.
Observar o sofrimento já é o bastante. Observá-lo implica aceitá-lo como parte do que existe naquele momento.
No momento em que o observamos, sentimos seu campo energético dentro de nós e desfazemos a nossa identificação com ele, surge uma nova dimensão da consciência. Isso é a Presença.
Passamos a ser testemunhas ou observadores do sofrimento. O sofrimento só sobrevive quando não é observado e quando inconscientemente nos identificamos com ele. Essa é a chave para a dissolução do sofrimento.
A consciência transforma o sofrimento nela mesma. São Paulo expressa esse princípio ao dizer “Tudo é revelado ao ser exposto a luz e o que for exposto a própria luz se torna luz.”
Como a resistência é inseparável da mente, o abandono da resistência – a entrega – é o fim da ação dominadora da mente, do ego. Todo o julgamente e negatividade se dissolvem e a região do Ser, que tinha sido encoberta pela mente, se abre.
Portanto, que isso seja uma “prática” para você adotar o resto da sua vida. Assim que você honrar o momento presente, toda a infelicidade e todo o conflito desaparecerão, e a vida começará a fluir alegre e facilmente. Entregue-se para o que é! Isso é a verdadeira meditação.
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